A Sombra de Heitor
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Capítulo 1

A casa estava silenciosa, um silêncio pesado que parecia sugar todo o ar dos meus pulmões, eu estava sentado no sofá da sala de estar, o mesmo sofá caro que Heitor escolheu sem sequer me consultar, e olhava para a porta, esperando por um som de chave que talvez nunca viesse, ou que, se viesse, só traria mais frio para dentro de casa. Nosso casamento de três anos parecia uma piada de mau gosto, um roteiro mal escrito onde eu era o único ator que levava o papel a sério.

Eu estava cansado, um cansaço que ia além do corpo, era uma exaustão na alma, a sensação de ter corrido uma maratona para no final descobrir que a linha de chegada nunca existiu. Era hora de acabar com isso. A decisão se formou na minha mente, não com um estrondo, mas com a quietude resignada de algo que morre lentamente.

Decidi procurar o carregador portátil que Heitor havia comprado, ele sempre guardava as coisas novas no fundo do seu armário, um lugar que eu raramente mexia, mas meu celular estava morrendo e eu precisava dele. Abri a porta de madeira escura e o cheiro familiar de seu perfume caro me atingiu, um cheiro que antes me trazia conforto, mas que agora só me causava náusea. Empurrei alguns casacos de lado e, no fundo, atrás de uma pilha de camisas passadas, vi uma caixa de madeira que eu nunca tinha visto antes. Não era grande, mas era claramente antiga e bem cuidada. A curiosidade foi mais forte que o meu bom senso, eu a puxei para fora, o coração batendo um pouco mais rápido. Ao abrir a tampa, meu estômago gelou, não eram eletrônicos ou documentos, eram fotos, dezenas de fotos de Gabriel. Gabriel sorrindo, Gabriel na praia, Gabriel dormindo, Gabriel em momentos que claramente não eram para os meus olhos, eram momentos íntimos, olhares que Heitor nunca me dirigiu. A prova estava ali, em papel fotográfico, a prova de que o coração de Heitor sempre pertenceu a outro.

Minha mente voltou no tempo, para o dia em que conheci Heitor. Eu era barulhento, cheio de vida, pintava o cabelo de cores vibrantes e ria de um jeito que fazia a sala inteira virar para olhar, Heitor era o oposto, calmo, contido, um homem de poucas palavras e gestos medidos. Eu me apaixonei por aquele mistério, por aquele desafio. Para me encaixar no seu mundo, eu me apaguei, me tornei mais quieto, parei de usar roupas coloridas, aprendi a gostar de ópera e de vinhos caros, abandonei meus amigos barulhentos por jantares corporativos silenciosos. Eu me tornei uma versão pálida de mim mesmo, uma sombra que se moldava para caber ao lado dele, na esperança de que um dia ele olhasse para mim com o mesmo brilho nos olhos que ele tinha quando falava sobre seus negócios. Foi tudo em vão.

Enquanto eu olhava para aquelas fotos, uma por uma, a verdade me atingiu com a força de um soco no estômago, eu nunca tive uma chance. Não importava o quanto eu tentasse, o quanto eu me esforçasse ou o quanto eu mudasse, eu nunca seria Gabriel. Eu era apenas um substituto, um lugar-tenente conveniente até que o verdadeiro amor de sua vida estivesse disponível. Uma onda de desespero me invadiu, seguida por um vazio gelado, a dor era tão intensa que se transformou em uma ausência de sentimento. Eu fechei a caixa com cuidado, como se estivesse fechando um caixão.

Foi então que ouvi a porta da frente se abrir, Heitor havia chegado. Meu corpo inteiro ficou tenso, mas eu não me movi, continuei sentado no chão do closet, a caixa em meu colo. Ouvi seus passos no corredor e, em seguida, sua voz, baixa e suave, vindo do escritório. Ele estava no telefone. "Eu sei, eu também sinto sua falta", ele disse, e a ternura em sua voz era algo que eu nunca tinha ouvido em três anos. "Só mais um pouco de paciência, Gabriel. Eu te amo." Aquelas três palavras, ditas com uma sinceridade que cortava o ar, foram a pá de cal final, elas ecoaram na minha cabeça, matando qualquer resquício de esperança que ainda pudesse existir. Era o fim.

Levantei-me, minhas pernas pareciam fracas, mas meu rosto estava inexpressivo, eu não sentia mais nada, nem raiva, nem tristeza, apenas um vácuo. Caminhei até o escritório e parei na porta, Heitor ainda estava no telefone, de costas para mim. Ele me sentiu ali e se virou, seu rosto mudando de ternura para a frieza habitual ao me ver. "Preciso desligar", ele disse apressadamente para Gabriel e encerrou a chamada. "O que foi, Leo?", ele perguntou, o tom já impaciente. Eu olhei diretamente em seus olhos, sem piscar. "Eu quero o divórcio, Heitor."

            
            

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