Mas dentro daquelas paredes perfeitas, a vida de Maria da Luz era um silêncio frio. Pedro era distante, um fantasma elegante que passava por ela nos corredores, sempre imerso em seu trabalho, em seus pensamentos. O casamento deles, que para o mundo era um conto de fadas, para ela era um longo e solitário corredor. Ela tentava preencher o vazio com os aromas e sabores de sua cozinha, preparando jantares elaborados que ele mal tocava, criando sobremesas que ele nunca provava. O amor dela era uma refeição completa servida a uma mesa vazia.
Naquela noite, o silêncio foi quebrado. Maria da Luz estava na cozinha, testando uma nova receita, quando ouviu vozes alteradas vindo do escritório de Pedro, o único lugar da casa que era seu território exclusivo. A porta geralmente estava fechada, mas hoje, uma fresta se abria, e de lá vazava uma discussão que fez o sangue de Maria gelar.
Ela se aproximou devagar, sem fazer barulho. As vozes eram de Pedro e de sua meia-irmã, Sofia, a bailarina delicada e frágil que Pedro protegia com uma ferocidade que sempre pareceu excessiva a Maria.
"Você não pode fazer isso, Sofia!" A voz de Pedro era dura, cheia de uma angústia que Maria nunca tinha ouvido antes. "Você não pode me deixar."
"Eu preciso, Pedro. Isso... isso não está certo." A voz de Sofia era um sussurro trêmulo, carregado de medo. "As pessoas estão começando a desconfiar. Maria... ela olha para nós de um jeito estranho."
"Que se dane a Maria!" Pedro explodiu, e o copo que Maria segurava tremeu em sua mão. "Ela não é nada. Ela é apenas uma fachada, uma ferramenta para que possamos ficar juntos sem que o mundo nos condene. Eu só me casei com ela por você, para te proteger, para te manter perto de mim!"
O copo escorregou dos dedos de Maria e se espatifou no chão de mármore. O barulho foi alto, mas abafado pelo som do seu próprio coração se partindo.
Ela recuou, tropeçando nos próprios pés, a respiração presa na garganta. Então era isso. Seu casamento, sua vida, seu amor... tudo uma farsa. Um artifício. Uma fachada para esconder a relação doentia e obsessiva de Pedro com a própria irmã.
Lágrimas quentes escorreram por seu rosto enquanto as memórias a assaltavam. O dia do casamento, ela com seu vestido branco, o véu cobrindo seu rosto sorridente e esperançoso. Ela se lembrava de olhar para Pedro no altar, tão bonito, tão sério, e pensar que era a mulher mais sortuda do mundo. Ele não a amava, ela sabia, mas ela era ingênua, acreditava que com o tempo, com seu cuidado e sua dedicação, ela poderia conquistá-lo.
Ela se lembrou das noites em que ele ficava no escritório até tarde, e ela levava chá para ele, apenas para ser recebida com um olhar frio e um "obrigado" monossilábico. Lembrou-se de todas as vezes que ela tentou iniciar uma conversa, compartilhar seu dia, e ele simplesmente a ignorava, os olhos fixos na tela do computador ou no rosto de Sofia, quando a irmã os visitava.
Agora, a frieza dele fazia sentido. A distância, o descaso. Ele não a via como esposa, ele a via como um objeto, um escudo para seu amor proibido. A dor era física, uma pontada aguda em seu peito que a deixou sem ar. Ela tinha sido tão tola.
Ela se lembrou do dia em que o conheceu, em uma galeria de arte. Ele estava parado diante de uma pintura, tão absorto que parecia fazer parte da obra. Ela, uma jovem chef ainda desconhecida, sentiu o coração disparar. Ele era como um deus grego, inalcançável. Mas ela se atreveu a falar com ele, a elogiá-lo por um projeto que vira numa revista. Ele sorriu, um sorriso charmoso que a desarmou completamente.
Depois daquele dia, ela o procurou com a desculpa de querer que ele projetasse seu novo restaurante. Ela ia às reuniões com o coração na mão, escolhendo a roupa com cuidado, ensaiando o que dizer. Ele era sempre profissional, educado, mas ela via aquilo como um desafio. Ela o conquistaria. E quando ele a pediu em casamento, meses depois, ela pensou que tinha vencido.
Que piada cruel.
Ele nunca a quis. Ele nunca a olhou como olhava para Sofia. Com Sofia, ele ria. Com Sofia, seus olhos brilhavam. Para ela, ele só tinha indiferença. Ele falava com ela sobre o tempo, sobre notícias sem importância. Com Sofia, ele compartilhava segredos em sussurros, olhares que duravam tempo demais, toques que pareciam casuais, mas que agora Maria via como eram carregados de significado.
Sua vida inteira nos últimos dois anos tinha sido uma mentira elaborada por ele. E ela, a protagonista ingênua, tinha desempenhado seu papel perfeitamente, sem nunca suspeitar da verdade sombria que se escondia sob a superfície daquela família perfeita. A dor da descoberta era avassaladora, uma onda de desespero e raiva que a engoliu por inteiro.