/0/15713/coverbig.jpg?v=500882f968ce6c622fe840da1079ddb9)
O mundo é diferente quando você sabe o fim.
Você enxerga os sorrisos falsos, os toques com segundos a mais, os olhares que não eram inocentes.
O problema nunca foi a traição.
Foi eu ter confiado.
E agora? Agora eu sorria.
Porque eles ainda estavam no escuro.
- Bianca, você tem certeza de que está tudo bem? - perguntou minha melhor amiga, Júlia, enquanto passava batom no espelho retrovisor do carro.
"Melhor amiga."
A mesma que, dois meses depois, ajudaria Leandro a encobrir minha morte.
A mesma que choraria no meu velório com lágrimas forçadas e unhas vermelhas.
- Estou ótima - respondi, puxando o cinto de segurança. - Dormi como um anjo.
Ela sorriu, convencida. Sempre foi fácil enganar os mentirosos, eles acham que são os únicos jogando.
Aquela manhã era exata. Mesma conversa. Mesma rota. Mesmos erros prestes a acontecer.
Mas dessa vez, eu não seria cega.
Chegamos ao restaurante onde Leandro costumava almoçar com "clientes".
Matteo, seu segurança favorito, já estava lá, como sempre.
Camisa social dobrada até os cotovelos, terno caro e olhar atento.
Um cão fiel, mas burro.
- Senhorita Bianca - ele me cumprimentou com um sorriso largo. - Leandro já está esperando.
Claro que estava. Ele era pontual com tudo.
Com flores. Com tapas.
Com balas.
Ele se levantou quando me viu entrar.
Terno cinza escuro. Gravata vinho. Relógio novo no pulso, aquele mesmo relógio que eu veria no chão da suíte onde ele transou com a outra.
Mas, naquele instante, ele ainda era "meu".
Ainda dizia me amar. Ainda era o homem que jurava que um dia me daria um anel.
Hipócrita.
- Oi, minha linda. - ele disse, puxando a cadeira para mim. - Dormiu bem?
- Como uma pedra - respondi, sorrindo.
E era verdade. Eu dormia bem desde que soube que ele morreria pelas próprias escolhas.
Almoçamos.
Ele falava dos negócios. Do clube novo que estava abrindo em São Paulo.
Da expansão internacional.
Dos idiotas que ousavam desafiar o sobrenome dele.
Eu só observava. Memorizava.
Quem ele mencionava com confiança. Quem ele não citava.
A agenda. As senhas.
O jeito como ele limpava a boca antes de mentir, sempre duas passadas de guardanapo.
- Eu tenho uma surpresa pra você - ele disse ao final, com um brilho perigoso nos olhos.
Na vida passada, essa surpresa era um colar.
E uma câmera escondida.
Ele me filmava. Tinha dossiês. Arquivos. Controle total.
- Ah é? - perguntei, encostando o queixo na palma da mão. - Espero que não seja mais uma joia.
Ele riu.
Achou charme.
Não viu o veneno.
- Você vai gostar. Confia em mim?
Eu sorri. Lenta.
- Claro, amor.
Até que a morte nos separe, não é isso que dizem?
Naquela noite, sozinha no quarto, abri o caderno de anotações que escondi sob o piso solto do closet.
Nomes. Datas. Locais.
Quem mentiu. Quem traiu. Quem riu enquanto eu sangrava.
E no final da lista, escrevi:
> "Encontre alguém. Alguém que queime o passado."
Não porque eu precisava de um novo homem, mas porque merecia algo verdadeiro. E meu filho, ainda em silêncio dentro de mim, também merecia.
Leandro não vai ser o fim da minha história.
Ele vai ser só o prólogo de algo muito maior.