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O salão do Grand Imperium cheirava a poder.
Cadeiras de veludo. Tapete persa. Lustres que valiam mais que carros.
Gente com sangue nas mãos usando Rolex.
Esse não era um evento qualquer.
Era uma vitrine.
Um mercado de influência.
A noite onde os ricos exibem suas conquistas: esposas, contratos, alianças.
Leandro estava no centro.
Traje completo preto, gravata de cetim, abotoaduras douradas em forma de leão.
Os olhos dele varriam o salão como radar. Como quem já possuía tudo e só queria confirmar.
Mas dessa vez, eu era a variável.
E eu estava deslumbrante.
Vestido vermelho escarlate, sem alças, justo até os quadris, com cauda dramática. Cabelo preso no alto, maquiagem afiada como lâmina.
E o melhor acessório?
A memória da minha própria morte.
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- Bianca - ele disse, ao me ver no alto da escada. O som da orquestra ao fundo parecia se calar. - Você está... magnífica.
-Eu sei.
Leandro estendeu o braço e me guiou como um rei apresenta sua joia.
Mas eu não era uma joia.
Era dinamite com batom vermelho.
Caminhamos entre banqueiros, embaixadores, políticos, mafiosos com sorriso de pastor.
Cada aperto de mão era um pacto.
Cada brinde, uma ameaça selada em cristal.
Eu memorizei nomes.
Rostos.
Tons de voz.
Porque ali, entre um canapé e outro, estavam os homens que assinariam a ordem da minha morte dali a meses.
Mas nesta linha do tempo?
Eu assinaria a deles primeiro.
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- Senhorita Bianca, que prazer revê-la. - disse Luciano Ferraz, dono de cassinos na fronteira, parceiro de Leandro.
Velho. Oleoso. De mão leve.
Ele segurou minha mão e a beijou com os olhos cravados nos meus seios.
- O prazer nunca foi meu - respondi, com um sorriso gelado.
Ele riu. Macho podre acha que tudo é flerte.
Mais tarde, ele perderia um contrato por causa de uma denúncia anônima de evasão fiscal.
Mas isso ainda era futuro.
Hoje, ele só me servia como alerta.
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O salão girava devagar, com música e mentiras.
Foi quando Júlia entrou.
Vestido dourado, decote profundo, andar ensaiado.
Como uma estrela secundária tentando roubar luz do sol.
Ela veio direto na minha direção.
- Bianca! - disse, com a voz doce demais. - Você tá um escândalo!
- Eu sei - repeti. - Mas obrigada por notar.
Ela soltou uma risadinha, como se não soubesse onde enfiar a vaidade ferida.
E então fez o que sempre fazia: tentou marcar território.
- Leandro, você ficou de me apresentar ao novo investidor do grupo. Aquele que chegou de Milão...
Ela achava que era discreta.
Mas o olho dela dançava, procurando o homem que ela queria sugar.
E então, como se o universo tivesse ouvido, ele apareceu.
O homem da sacada.
O estranho do capítulo anterior.
Agora com nome e presença.
Augusto Santini.
Terno sob medida, postura de leão, expressão de tédio com tudo ao redor.
Rico. Perigoso. E visivelmente entediado da festa.
Ele me viu antes.
Os olhos dele encontraram os meus por cima da taça de vinho.
Mas não se aproximou.
Não ainda.
E Júlia...
Ela correu até ele como uma mariposa cega indo direto para a lâmpada.
Leandro assistiu. Riu.
E eu?
Eu apenas observei.
Júlia sorrindo demais.
Leandro testando limites.
Santini ignorando tudo, menos a mim.
O jogo começava agora.
No salão onde todos achavam que estavam seguros.
Mas ninguém ali percebeu que a mulher morta havia voltado com sede.
E que, esta noite, a guerra vestia vermelho.
A orquestra trocou de melodia. Um jazz mais denso, mais sensual. Era a trilha sonora exata para o tipo de guerra que se desenrolava ali dentro. Cada nota parecia medir os passos. Cada silêncio entre as cordas afinava a falsidade no ar.
Júlia continuava ao lado de Augusto Santini, rindo demais, encostando demais. O tipo de mulher que confunde beleza com acesso. O tipo que sorri enquanto se oferece, sem perceber que o homem à sua frente não quer carne fácil, mas sim algo que não se entrega.
Ele tolerava a presença dela como quem tolera uma mosca durante um jantar caro. Polido, educado. Mas entediado.
O olhar dele voltava para mim. Sempre. Sem pressa, sem jogo. Como quem já sabe onde vai chegar.
Leandro, por outro lado, estava ocupado demais sendo o pavão da noite. Cercado de homens que fingiam respeitá-lo. Ele achava que dominava aquela sala. Mal percebia que o chão sob seus sapatos começava a trincar.
Mais tarde, quando Leandro me puxou pelo braço e disse que queria "conversar a sós", eu já sabia o que viria.
Caminhamos até uma varanda lateral, afastada da festa. As luzes de cristal tremiam lá dentro, refletidas no vidro. Aqui fora, só nós dois e o som abafado da decadência.
- Você está estranha - ele disse.
- Estranha como?
- Fria. Calculada. Silenciosa.
- Interessante - encostei na balaustrada, olhando para o jardim abaixo -, esses eram exatamente os três adjetivos que você usou para descrever sua mãe no dia em que ela morreu.
Ele travou. O cigarro entre os dedos tremia, quase imperceptível. Mas eu vi.
- Tá brincando comigo?
- Não. Só estou pensando em padrões.
O silêncio caiu grosso. Ele me estudava agora. Tentando entender onde eu queria chegar. Tentando adivinhar se eu sabia demais. O problema era que ele achava que estava lidando com a Bianca antiga. A que acreditava, que se doava, que perdoava.
Eu era outra agora. A que ressuscitou com sangue seco entre as pernas e um filho vivo dentro do ventre.
- Tá tudo certo com a gente, Bianca?
- Claro - respondi, virando o rosto devagar -, por enquanto.
Voltei para o salão antes que ele dissesse qualquer coisa. Deixei o gosto do desconforto na boca dele. Como veneno que ainda não mata, só avisa que está agindo.
Santini me viu primeiro. Estava sozinho agora, apoiado em uma das colunas. Copo de uísque na mão. Ele me observava como quem decifra um código.
Passei por ele, propositalmente perto demais. O perfume misturado ao calor da noite. O som dos meus saltos marcando o ritmo da guerra.
- Vai embora assim? - ele perguntou, sem se virar completamente.
- A noite está só começando - respondi, sem olhar para trás.
E então subi as escadas. Sozinha. Mas com um sorriso nos lábios. Porque cada peça já estava no lugar. Júlia, Leandro, os aliados sujos, e agora Santini. Todos vivos. Todos jogando.
E eu? Eu não jogava. Eu mandava no tabuleiro.