A dor aguda em meu peito me acordou, um espasmo tão violento que pensei que meu coração fosse explodir.
A última coisa de que me lembrava era a voz fria do médico no telefone, dizendo que meus pais, incapazes de suportar a humilhação pública e a perda de seus empregos, tinham sofrido um colapso e falecido.
Naquele momento, o mundo desabou.
A "princesa da ginástica" se tornou uma "trapaceira desqualificada", e o sonho olímpico que construímos com tanto sacrifício se transformou em um pesadelo que devorou minha família.
Meu coração falhou. Eu morri de desgosto.
Mas agora, eu estava viva.
A luz do ginásio feria meus olhos, o cheiro familiar de magnésio e suor enchia minhas narinas. O som das sapatilhas batendo no tablado era real.
Olhei para minhas mãos, elas não tremiam mais de fraqueza, mas estavam firmes, calejadas pelo treino.
"Maria, você está bem? Ficou pálida de repente."
A voz era de Ana, minha "melhor amiga", sua expressão cheia de uma preocupação que agora me causava náuseas. Ao seu lado estava Pedro, meu namorado e treinador assistente, com um olhar igualmente ansioso.
Os dois rostos que eu mais confiava na minha vida anterior. Os dois rostos que me apunhalaram pelas costas.
"Estou bem", respondi, minha voz saindo rouca.
Tirei o celular da mochila. A data na tela confirmou meu palpite impossível. Eu tinha renascido no dia anterior à seletiva olímpica.
O dia em que tudo começou.
Lembrei-me com uma clareza terrível. Em algumas horas, Ana me daria uma garrafa de água "especial", insistindo que era para me dar energia. Pedro me distrairia enquanto ela colocava um frasco com uma substância proibida na minha mochila.
No dia seguinte, durante a seletiva, a denúncia anônima seria feita. O frasco seria encontrado. Um e-mail forjado, enviado do meu endereço, "provando" a compra da substância, selaria meu destino.
A humilhação, o linchamento virtual, a dor insuportável dos meus pais... tudo aquilo ainda não tinha acontecido.
Mas iria acontecer, se eu não fizesse nada.
"Maria, aqui, beba um pouco d'água. Você treinou demais hoje", disse Ana, estendendo a mesma garrafa de água da minha memória. Seu sorriso era doce e convincente.
Na minha vida anterior, eu a peguei sem hesitar.
Desta vez, eu recuei.
"Não, obrigada. Já bebi o suficiente", falei, minha voz firme.
Ana e Pedro se entreolharam, uma faísca de surpresa em seus olhos.
"Beba, Maria. Você precisa se hidratar para amanhã. É o dia mais importante da sua vida", insistiu Pedro, seu tom um pouco mais duro.
"Eu disse que não quero", repeti, olhando diretamente nos olhos dele.
A confusão em seus rostos era evidente. Meu comportamento era anormal. Eu sempre fui dócil, sempre confiei neles implicitamente.
"Estou me sentindo um pouco enjoada. Acho que vou para casa mais cedo hoje, preciso descansar", menti, pegando minha mochila.
"Nós te levamos", ofereceu Ana rapidamente, tentando me cercar.
"Não precisa. Quero caminhar um pouco, tomar um ar fresco", recusei, forçando um sorriso para disfarçar minha repulsa.
Eu me virei e saí do ginásio sem olhar para trás, sentindo seus olhares desconfiados queimando em minhas costas.
Assim que dobrei a esquina, corri para a rua principal e acenei para o primeiro táxi que apareceu.
"Para onde, moça?", perguntou o motorista.
Eu não podia ir para casa. Eles poderiam me seguir. Eu não podia ir para lugar nenhum onde eles pudessem me encontrar.
Precisava de um lugar público, com câmeras e testemunhas.
"Para a lan house central, por favor. A que fica aberta 24 horas."
Eu precisava de um plano. Desta vez, eu não seria a vítima. Eu iria proteger meus pais, custe o que custar.