Uma sombra passou pelo rosto de Ricardo, mas desapareceu tão rápido quanto apareceu.
"As coisas mudaram, senhor."
"Mudaram como?" perguntou o Sr. Ferreira, genuinamente preocupado. Ele sempre apreciou o talento de Ricardo na ciência de foguetes.
"Eu vou me divorciar," Ricardo disse calmamente, como se estivesse falando do tempo. "Sofia não precisa mais de mim. Na verdade, acho que ela nunca precisou."
Ele se lembrou dos últimos três anos. Ele era o cientista de foguetes mais promissor do país, mas por causa de Sofia, ele havia recusado várias oportunidades importantes, incluindo o Projeto Vanguarda. Ele pensou que estava construindo uma família, um lar. Ele sacrificou sua carreira por amor, um amor que agora parecia uma piada.
"Divórcio? O que aconteceu?" O Sr. Ferreira franziu a testa. Ele sabia o quanto Ricardo amava sua esposa.
"Ela me traiu," Ricardo respondeu, seu tom ainda controlado, mas com uma frieza que não estava lá antes. "Enquanto eu estava na missão, ela colocou outro homem em nossa casa. Na verdade, ela já o expulsou de lá também. Agora, estou sendo expulso."
O Sr. Ferreira ficou sem palavras por um momento. Ele apenas balançou a cabeça, desapontado por Ricardo.
"Eu vou cuidar dos procedimentos legais assim que possível. Só preciso que o senhor aprove minha transferência."
"Claro, Ricardo. Considere feito. A equipe do Vanguarda ficará feliz em tê-lo. Especialmente a Dra. Helena."
Ao ouvir o nome de sua mentora, Ricardo sentiu um pingo de calor em seu peito gelado. Dra. Helena era uma cientista brilhante que sempre o apoiou.
"Obrigado, senhor."
Ricardo saiu do escritório e, em vez de ir para casa, dirigiu até o bairro onde morava. Ele estacionou o carro a uma distância segura, escondido por uma grande árvore. Ele só queria ver com seus próprios olhos.
E lá estava ela. Sofia. Saindo de sua casa, a casa que ele comprou, de mãos dadas com outro homem, Pedro. Um colega de trabalho dela, como ele soube mais tarde. Pedro segurava a mão de uma garotinha, que sorria para Sofia.
Eles pareciam uma família feliz.
Ricardo observou-os caminhar até o parque próximo. Ele os seguiu, mantendo distância. Sentou-se em um banco e observou a cena se desenrolar.
Sofia estava empurrando a menina no balanço, rindo. Pedro estava ao lado dela, com o braço em volta de sua cintura.
"Mamãe, mais alto!" a menina gritou, sua voz infantil ecoando pelo parquinho.
Mamãe.
A palavra atingiu Ricardo como um soco no estômago. Ele sentiu o ar faltar em seus pulmões. Sofia nunca quis ter filhos com ele. Ela sempre dizia que não estava pronta, que uma criança atrapalharia sua carreira. Mas ali estava ela, sendo chamada de mãe pela filha de outro homem.
Ele ouviu a conversa deles, levada pelo vento.
"Querida, você está feliz?" Pedro perguntou a Sofia, beijando sua bochecha.
"Muito," ela respondeu, sorrindo para ele. "É como se tudo estivesse no lugar certo agora."
No lugar certo.
Ricardo sentiu uma dor aguda no peito. Então, ele era a peça que estava no lugar errado? Todos os anos de dedicação, o amor, o sacrifício... tudo não significava nada? Ele se sentiu um idiota. Um completo idiota. A dor se transformou em uma raiva fria e silenciosa. Ele se levantou e caminhou de volta para o carro, seu coração pesado como uma pedra.
Quando ele finalmente chegou em casa naquela noite, a casa estava silenciosa. Sofia estava no sofá, lendo uma revista, agindo como se nada tivesse acontecido.
"Você voltou," ela disse, sem nem mesmo levantar os olhos. Sua voz era indiferente, fria.
"Sim," Ricardo respondeu, sua voz rouca. Ele olhou para a mulher que um dia amou, e tudo o que sentiu foi um cansaço profundo e uma aversão crescente.
"Por que você trancou a porta eletrônica? Tive que usar a chave reserva," ele perguntou, tentando manter a calma. Ele sabia que ela tinha mudado a senha, trancando-o do lado de fora de sua própria casa.
"Eu mudei a senha. Pedro e a filha dele estavam com medo de ficarem sozinhos. Ele acabou de se divorciar, está passando por um momento difícil," ela explicou, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Ricardo quase riu da ironia. Ela estava preocupada com o homem que a ajudou a traí-lo, enquanto ele, seu marido, era tratado como um estranho.
"Um momento difícil? E quanto a mim, Sofia? Eu acabei de voltar de uma missão de três meses, isolado do mundo, pensando em você todos os dias. E volto para descobrir que você me trancou para fora da minha própria casa para abrigar seu amante."
"Não fale assim, Ricardo. Você está sendo mesquinho," ela retrucou, finalmente olhando para ele, com o rosto contorcido em aborrecimento. "Pedro precisava de apoio."
Ricardo respirou fundo, a raiva dando lugar a uma calma assustadora. Ele olhou nos olhos dela, e a mulher que ele via não era a Sofia por quem ele se apaixonou.
"Sofia," ele disse, sua voz baixa e perigosa. "Vamos nos divorciar."
Ela o encarou, seus olhos se arregalando em choque. A revista caiu de suas mãos.
"O quê? Você está louco? Divórcio? Por causa de uma coisinha boba como essa? Você está exagerando, Ricardo!"
Ela se levantou, incrédula e irritada, como se ele fosse a pessoa irracional na situação.