"Tive um dia tão longo com minha mãe, resolvendo coisas para a caridade dela", ela mentiu, a cara mais lisa do mundo.
Lucas a olhou nos olhos. A mulher que ele um dia amou era uma estranha, uma atriz talentosa em uma peça macabra. Ele decidiu dar a ela uma última chance, não por esperança, mas para selar seu próprio coração contra qualquer resquício de dúvida.
"Clara, me diga a verdade. Onde você estava hoje?"
Ela pareceu surpresa com a pergunta direta.
"Eu já disse, Lucas. Com a minha mãe. Por que você está agindo assim?"
"Só me diga a verdade. Pela última vez."
Ela riu, um som forçado. "Você está sendo paranoico, amor. É o estresse."
Era isso. A última porta se fechou. Ele não disse mais nada, apenas se virou e saiu.
Mais tarde, uma tempestade começou a se formar do lado de fora, o som da chuva batendo na janela o transportou para outro tempo. Ele se lembrou de quando era criança no orfanato. As noites de tempestade eram as piores. Ele se escondia debaixo da cama, aterrorizado, sentindo-se a criatura mais solitária do mundo. Foi em uma noite de tempestade como essa que Sofia apareceu pela primeira vez, com um sorriso caloroso e a promessa de uma família.
Aquele sentimento de abandono e medo voltou com força total. Ele se sentou no chão da sala, abraçando os joelhos, o homem de negócios implacável reduzido a um menino assustado.
Clara entrou na sala e o viu ali. Por um momento, um lampejo de algo que poderia ser preocupação passou por seus olhos.
"Lucas? Você está bem?"
Antes que ele pudesse responder, o celular dela tocou. Ela olhou para a tela e seu rosto mudou instantaneamente. Ela atendeu, a voz baixa.
"Pedro? O que foi?... Sim, estou indo agora."
Ela desligou e olhou para Lucas no chão, uma breve hesitação em seu rosto. Então, ela pegou a bolsa.
"Eu... eu preciso sair. Minha mãe precisa de mim."
Ela nem mesmo tentou inventar uma desculpa melhor. Vê-lo em seu momento mais vulnerável não despertou compaixão, apenas a irritação de um inconveniente. Ela o deixou ali, quebrado no chão, para correr para os braços de seu amante. O abandono era completo, um círculo perfeito que começou em um orfanato e terminou em sua própria casa.
O coração dele estava vazio. Não havia mais nada para quebrar.
Quando ele pensou que não poderia doer mais, seu celular vibrou. Outra entrega de "I".
Desta vez, não eram apenas fotos. Era uma pasta cheia de documentos, vídeos e áudios.
Havia um vídeo de Clara e Pedro em uma clínica. Clara estava visivelmente grávida. Lucas sentiu o ar faltar. Ele se lembrou de alguns meses atrás, quando Clara lhe disse que sofreu um aborto espontâneo. Ele a consolou por semanas, compartilhando uma dor que, ele agora via, nunca foi dele.
O próximo arquivo era um laudo médico. Um teste de DNA. O feto abortado não tinha nenhuma compatibilidade genética com ele. Era de Pedro. A criança que ele lamentou nunca foi sua. A dor que ele sentiu foi roubada, uma performance para mantê-lo na linha.
O arquivo final era um áudio. A voz de Clara, falando com Pedro.
"Eu não aguento mais fingir essa gravidez para o Lucas. Quando vamos nos livrar dele? Eu quero ter nosso filho em paz."
A voz de Pedro respondeu. "Logo, meu amor. Sofia já está movendo as peças. A GlobalTech será minha, e você será minha rainha. O aborto foi a melhor decisão. Uma criança agora complicaria tudo."
Tudo parou. O som, a luz, a sensação. Ele estava flutuando em um vácuo de pura dor. Eles não apenas o enganaram. Eles criaram uma vida e a descartaram como parte de seu plano. Eles o fizeram chorar por uma criança que era símbolo de sua traição.
O menino assustado no chão desapareceu. O homem quebrado se recompôs. A dor se cristalizou em um propósito gélido e inabalável.
Ele pegou o celular. Encontrou a mensagem de "I".
"Eu sei de tudo. Se quiser vingança e recuperar o que é seu, eu posso ajudar. Pense nisso. - I."
Ele digitou uma resposta de duas palavras, cada letra um voto de guerra.
"Eu aceito."