Minha Filha, Minha Dor, Minha Força
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Capítulo 4

No dia seguinte, comecei a arrumar minhas coisas. Coloquei em caixas as poucas roupas e livros que ainda considerava meus. Evitei o quarto de Sofia. Era uma ferida aberta que eu não tinha coragem de tocar.

Enquanto eu estava dobrando uma blusa, meu celular tocou. Era Tia Lúcia.

"Senhora Juliana?" , disse a voz gentil do outro lado. "Eu... eu sinto muito por tudo. Eu sinto tanto."

Eu conseguia ouvir o choro em sua voz.

"Não foi sua culpa, Tia Lúcia. Você foi a única pessoa boa naquela casa."

"Eu me demiti" , ela disse, com a voz firme. "Eu não consigo mais trabalhar para aquelas pessoas. Não depois do que aconteceu."

Senti uma onda de gratidão por aquela mulher.

"Eu estou indo embora, Tia Lúcia. Vou deixar a cidade."

"Eu sei, minha querida. E você está fazendo a coisa certa. Seja feliz. Você merece."

Desliguei o telefone com o coração um pouco mais leve. O apoio dela significava o mundo para mim.

Antes de ir embora, havia um último lugar que eu precisava visitar.

Peguei um táxi para o hospital onde meu pai estava internado. Ele sofreu um derrame há alguns meses, logo depois que os negócios da família começaram a ruir. Ele estava parcialmente paralisado e tinha dificuldade para falar.

Quando entrei no quarto, ele estava olhando pela janela. Seus olhos se encheram de lágrimas quando me viu. Ele tentou falar, mas apenas sons desconexos saíram.

Eu me sentei ao lado de sua cama e segurei sua mão.

"Pai, eu sei" , eu disse, suavemente. "Eu sei que você fez o que achava que era o melhor para mim. Casar-me com o Pedro... você queria garantir meu futuro."

Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Ele apertou minha mão com a força que ainda lhe restava.

"Mas não deu certo, pai. A Sofia... ela se foi."

A dor em seus olhos era palpável. Ele sabia da morte da neta.

"Eu estou me divorciando do Pedro. Eu vou embora de tudo isso."

Ele me olhou, e eu vi medo em seus olhos. Medo por mim, pelo meu futuro.

"Não se preocupe" , eu continuei, tentando sorrir. "Eu vou ficar bem. Eu vou recomeçar."

Ele balbuciou algo e apontou com dificuldade para a gaveta do criado-mudo. Eu a abri. Dentro, havia um velho caderno de endereços. Ele apontou para um nome.

"Senhor Mendes."

Senhor Mendes, ou Tio Fu, como eu o chamava quando era criança. Um velho e leal amigo do meu pai, que se mudou para o exterior há muitos anos. Ele era um homem poderoso e influente.

"Você quer que eu o procure?" , perguntei.

Meu pai assentiu vigorosamente.

Ele estava me dando uma saída. Uma chance.

"Pai..." , minha voz falhou. "Me desculpe. Eu deveria ter sido mais forte."

Ele balançou a cabeça, com esforço. Ele levou minha mão aos seus lábios e a beijou. Era o seu pedido de desculpas. Ele se arrependia de ter me empurrado para aquele casamento, de ter sacrificado minha felicidade pelo bem dos negócios.

"Eu vou ficar bem, pai. Eu prometo" , eu disse, as lágrimas finalmente vindo. "Eu vou estudar, vou trabalhar. Eu vou construir uma vida por mim mesma. Por mim, e pela memória da Sofia."

Ele sorriu. Um sorriso fraco, torto, mas o sorriso mais lindo que eu já tinha visto.

Passei o resto da tarde com ele, contando sobre meus planos. Eu iria para o exterior, para a cidade onde o Senhor Mendes morava. Eu voltaria a estudar. Eu tinha sido uma aluna brilhante antes de tudo desmoronar. Eu retomaria meus sonhos.

Quando saí do hospital, o sol estava se pondo, pintando o céu de laranja e roxo. Senti uma paz que não sentia há anos.

Eu tinha perdido tudo. Minha filha, meu casamento, minha família.

Mas eu também tinha ganhado algo.

Uma segunda chance. E eu não iria desperdiçá-la.

Voltei para o apartamento vazio e liguei para o número do Senhor Mendes. Ele atendeu no segundo toque. Sua voz era calorosa e gentil, exatamente como eu me lembrava.

Quando expliquei quem eu era, ele ficou em silêncio por um momento.

"Juliana, minha querida. Seu pai me falou de você. Eu sinto muito pela sua perda. O que você precisar, qualquer coisa, eu estou aqui para ajudar."

Suas palavras foram como um bálsamo para minha alma ferida.

Naquela noite, eu comprei uma passagem de avião só de ida.

                         

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