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Eu estava sentada na cadeira da psicóloga. Ela sorria um sorriso irritante. Eu me sentia um lixo naquele momento. Não sei por que, mas eu me forçava a dizer coisas da minha vida pra ela quando não havia nada do que dizer.
Esse negócio de ENEM estava me matando e era um saco.
-Posso ir embora? - Perguntei e ela me olhou com dúvida, "como assim você quer ir embora?" era a pergunta que estava implícita em seu olhar.
-Por que você quer ir, meu bem? - Ela me fez revirar os olhos, aquilo foi maior que eu, sei que era super escroto da minha parte, mas foi maior do que eu.
A verdade é que eu estava fazendo aquilo pelo César, mais por ele do que por mim, na verdade, só por ele do que por mim. É ruim quando a gente faz as coisas forçadas e por isso mesmo eu estava querendo fugir daquela situação.
- Eu não estou me sentindo confortável. - Eu disse, tentando não fazer como se minha voz soasse como se eu estivesse dizendo o óbvio. Porra, essa mulher gostava de fazer jogo duro.
- Se quiser ir, pode. Mas essa consulta será cobrada na íntegra. - Me levantei do sofá, tirei minha carteira do bolso e coloquei o dinheiro dela em cima da mesinha de centro.
- Aqui está. Muito obrigada. - "Muito obrigada é o caralho" eu pensei enquanto saía porta a fora. Depois de descer o elevador do prédio da moça fiquei caminhando por umas boas horas até encontrar algo pra fazer.
Primeiro passei no café onde eu gostava de passar minhas horas, mas todo o dinheiro que eu tinha em mãos naquele momento havia ido embora com a minha psicóloga, então passei no banco pra sacar mais uma grana e... sei lá comer algo na rua.
Minha mente estava a mil, naquela tarde sairia a nota e eu não sabia muito bem se eu queria vê-la. Eu dei meus dados para o César para que ele visse por mim, que se a nota fosse ruim ele poderia deixar pra lá.
Depois de sair do banco eu estava prestes a ir pra qualquer outro lugar enrolar, mas eu recebi uma mensagem dele. Era uma imagem, de primeira eu pensei que fosse algum tipo de foto dele na livraria, mas quando eu cliquei para ler a mensagem era simplesmente minha nota do ENEM.
Meu coração disparou a ver aquilo. Minha nota da redação tinha sido 970 e minha média era de 850. Eu poderia simplesmente entrar pro curso que eu queria. O dinheiro investido pelos meus pais havia valido a pena.
Mas ainda sim, eu não sabia o que fazer com essa nota.
Mesmo assim eu saí correndo entre os carros da rua e fui encontrar César na livraria, que era próxima dali.
Eu chorava enquanto corria, podia sentir minhas lágrimas caindo. Aquele choro tinha um pouco de alegria, mas também tinha um pouco de desespero. O SISU era daqui um mês e eu não sabia que cursos colocar ali.
Na minha cidade tinha uma universidade federal e uma estadual, pelo menos aí uns 20 cursos pra escolher, e eu simplesmente não sabia.
Cheguei na livraria e os sininhos dela fizeram um barulho mais alto do que normalmente, principalmente pela força na qual eu abri a porta. César estava atendendo uma senhora de meia idade e os dois tomaram um susto com minha chegada.
Ele deu um sorriso que logo se desfez. Pediu licença a moça e veio em minha direção, ele me abraçou enquanto eu chorava de soluçar nos braços dele. Ele beijou meus cabelos e os bagunçou enquanto fazia carinho.
- Você está feliz? - Ele me perguntou.
- Estou.
- Então porque seu choro tem mais cara de tristeza de que felicidade? - Sua pergunta veio como uma facada no meu peito.
- Eu tô com medo, Cé. – Ele respirou fundo e pediu licença a mim, foi até atrás do balcão. A chefe dele ficava lá o dia todo jogando paciência e pôquer no computador. Ele levou uns cinco minutos, a senhora que ele estava atendendo me olhava com uma cara de "é doida" e eu nem ligava.
Ele voltou sem o avental da loja e com calça jeans, sua habitual mochila e uma camisa de protesto ao atual governo federal. A camisa era vermelha, combinava com a minha, que era uma dele inclusive, da banda Audioslave.
Ele me pegou pela mão e me levou pro Burger King, além de ser um punk straight edge ele era vegetariano. Não era vegano ainda, porque era apaixonado por derivados de leite, e isso inclui queijo.
Apesar de ser um cara totalmente anti-capitalista, César tinha que admitir que a rede de fast food era a única na cidade que oferecia um lanche vegetariano barato.
Até nosso pedido chegar ele não disse nada. Depois que dei uma mordida generosa no sanduíche ele começou a falar pra que eu pudesse ficar mais a vontade.
- Tá com medo de quê? - Ele perguntou com curiosidade enquanto o queijo da carne vegetariano criva uma linha da sua boca até o hambúrguer.
- De ter tirado esse notão e aproveitar. -Ele ergueu uma sobrancelha.
- Quais matérias você gostava na escola?
- Todas? - Respondi a pergunta com uma pergunta/resposta. Ele riu, sua risada era gostosa e eu acabei por rir também.
- Ok sua nota mais baixa no ENEM foi em matemática, podemos eliminá-la? - Fiz que sim com a cabeça.
- Nada de exatas. - Isso eu já sabia que eu não queria.
- Sua nota mais alta foi em Linguagens. A estadual oferece três cursos variados em Letras. Português/Literatura, Português/Espanhol e Português/Inglês.
Eu fiz meu ENEM em espanhol, fiz cursinho e tinha diploma internacional na língua, eu comecei a me imaginar professora, mas algo ainda me deixava muito incomodada. Eu poderia ser tradutora também.
Havia uma grande editora na cidade e eles podem estar precisando de uma tradutora.
Ok, mas devo admitir que maioria dos livros estrangeiros vêm dos EUA ou do Reino Unido.
Não sei, minha mente estava confusa demais.
- É uma boa, mas acho que a gente podia criar mais opções.
- Se você quiser sair da cidade, tudo bem. A gente se relaciona a distância. - César era um doce de homem, meu farol, meu porto seguro. Aquela era só uma das barras que ele estava segurando comigo.
Ele ajeitou os óculos no rosto e sorriu pra mim.
- Se eu ficar longe de você eu surto. - Ele deu um sorriso meio borocochô.
- Você não pode ser dependente de mim, Mia. - Respirei fundo e olhei triste pra batatinha.
- Poxa, mas você...
- Por que você acha que eu falei pra você procurar uma psicóloga? Você tem muitos problemas, Mia. Mas eu não vou durar muito. E se a gente terminar? E se eu morrer? - Eu não queria admitir que ele estava certo, mas ele estava.
- Quando a gente terminar aqui a gente pode ir pra sua casa ouvir música? - Ele sorriu, eu gostava dos troços barulhentos que ele ouvia, apesar de manter na minha playlist pessoal algo mais brando.
- Podemos, meu bem.