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"Preciso que você dê aulas de espanhol para minha irmã, ela vai para Madri mês que vem e não sabe falar nada" era para isso que Luísa, minha ex, precisava da minha ajuda. A irmã dela, Lúcia, era uma mulher brilhante. Calhou dela ter passado pra um mestrado na Espanha, mesmo sabendo falar Francês e Inglês, tendo mandado o currículo dela para várias universidades de países que falam essas línguas, ela foi parar num país que ela não falava a língua direito.
Recapitulando umas coisas aqui, que são de fato muito importantes: conheci a Luísa no colégio, no primeiro ano do Ensino Médio, ela era uma aluna e tanto e eu a jovem rebelde. A gente ficou muito próximas, e um belo dia ela me levou no banheiro e me deu um beijo.
Foi o melhor beijo da minha vida.
Algumas pessoas da escola sabiam do nosso namoro, que durou um ano, incluindo sua irmã mais velha que estava quase se formando: Lúcia.
Lúcia estudou Psicologia na federal da cidade, se formou e se tornou uma incrível psicóloga social com ênfase em gênero. A família de Luísa e Lúcia, apesar da péssima mania de colocar os nomes das filhas com L como inicial, eram pessoas incríveis e com uma visão de mundo muito diferente da minha família.
Apesar de desde o incidente do natal, e minha família ter descoberto minha sexualidade de uma forma horrível, mais tarde descobri que mamãe achou as cartas, porque ela se achou no direito de arrumar meu armário sem a minha autorização.
Enfim.
Desde os meados do ensino médio Luísa não falava comigo direito, basicamente desde que eu a peguei beijando o menino que eu estava afim e que todo mundo sabia que eu estava afim.
Claro que eu dei uma bronca nela e fiquei bem puta da vida, mas não vem ao caso.
Para ela ter a audácia de falar comigo é porque a coisa estava realmente feia.
Eu sempre fui uma exímia pessoa que fala espanhol, eu era disparada a melhor aluna da sala, do cursinho, de tudo. Não me surpreendia Luísa ter me chamado para essa missão.
Além do mais tem todo um lance de consideração com a irmã dela, que encobriu a nossa relação para uma galera.
"Tudo bem, Luísa. Eu ajudo a Lu. Mas é pela Lu, entendeu?", algumas coisas tinham que ficar claras, afinal, combinado não sai caro.
"Tudo bem, muito obrigada. Vc é um anjo!", respirei fundo por já conhecer todo o jeitinho de Luísa para conseguir e quando conseguia coisas, respirei fundo sem tentar me irritar com o fato dela ser levemente oportunista.
Fui tentar fazer outras coisas, mas minha mente simplesmente não focava.
Eu não tinha muito o que fazer além de assumir que a proposta que eu havia acabado de aceitar tinha tudo para dar merda.
***
Na segunda-feira eu apareci bem vestida e cheirosa na frente da casa de Luísa, não sabia ao certo no que aquilo poderia dar, mas estava pensando muito naquilo.
Aquela questão havia tomado muito minha mente, tanto que, sequer consegui focar em outras coisas enquanto, por exemplo, César tentava puxar assunto sobre como era importante a gente parar de consumir carne, porque o agronegócio estava destruindo o meio-ambiente.
Entendo que era uma pauta importante, mas eu confesso que tinham coisas mais importantes dentro do meu mundinho que mexiam com a minha cabeça.
Como era o fato de eu estar ali na casa de Luísa, sem ele saber. Eu havia meticulosamente marcado nossos encontros para durante o expediente de César, pois sabia que ele não me ligaria, mandaria mensagem ou me chamaria pra sair nesse meio tempo.
Tentei fluir, mas nada era o bastante.
Por que raios eu estava daquele jeito na porta da casa de Luísa?
Ainda sim, toquei o interfone.
- Você veio! – Ela disse sacudindo seus cabelos de tamanho médio, que iam até pouco abaixo do ombro e tinham mechas vermelhas e laranja, dei um sorriso sem graça e disse.
- Pois é, promessa é dívida. – Ela deu um sorriso faceiro e me puxou pra dentro, envolvendo os braços ao meu redor.
- A Lúcia tem tentado estudar sozinha, mas ela está muito perdida. Sua ajuda será muito bem-vinda. Aliás, mamãe fez bolo e aquele café que você gosta. – Luísa vomitava palavras enquanto eu apenas tentava engolir tudo.
Eu ainda estava perdida, mas queria me encontrar.
Luísa, no entanto, parecia eternamente num estado de sonambulismo.
- Que ótimo, fico feliz.
***
A aula seguiu normal e Lúcia, por ser muito inteligente, conseguia absorver as coisas com facilidade. Ela conseguia compreender algumas coisas, por ter estudado sozinha por algum tempo. E isso era ótimo.
Luísa saiu enquanto eu aplicava a aula, sempre achei esquisito o fato dela estar sempre na rua e nunca mais termos nos esbarrado. Talvez porque nosso gosto, ainda sim, fosse completamente diferente.
No final, quando eu estava comendo bolo de fubá e conversando sobre possibilidades de estudo com Lúcia, a Luísa apareceu. Tudo isso ocorreu enquanto Lúcia conversava comigo.
- Psicólogo não pode dar conselho, mas eu não estou falando com você como psicóloga, Mia. Acho que você deveria tentar um curso de Letras na Federal.
- Não sei se quero ser professora, Lú. – Eu comentei enquanto Lúcia pegava a garrafa de café e colocava um pouco mais pra mim. Parecia que ela queria me manter acordada, mas eu não sentia sono.
- Ah você quer sim. – Disse Luísa entrando na sala com tudo. – A Mia dava monitorias de espanhol e inglês na escola. – Eu não estava nas aulas de inglês, visto que a escola pedia pra gente fazer ou uma língua ou outra, devido a grade escolar que era apertada no Ensino Médio.
- Ah, mas dar monitorias e aulas particulares é diferente de dar aula num colégio ou numa faculdade, não sei se me sinto pronta. – Comentei, abaixando o rosto, primeiro pela timidez de assumir aquilo, segundo, porque eu simplesmente não tinha forças para pensar em fraquezas mais.
- Não é, Mia. Você é foda. – Dei um risinho baixo e olhei pra ela, Luísa me olhava com carinho depois de muito, muito tempo. Aquilo mexeu comigo, mexeu demais e eu não esperava.
- Mia, você está namorando aquele rapaz da livraria? – Lúcia perguntou, me tirando de um assunto tenebroso para outro.
- Não, não. – Eu disse, visto que ele ainda não tinha oficializado e tudo o que eu esperava era um status no Facebook e sua arroba na minha bio do Instagram.
- Achei que estava, porque vocês vivem juntos, eu vi vocês pelo menos umas três vezes na rua nas últimas semanas.
Enrubesci. Cidade pequena era uma droga!
Luísa me olhou com olhos de surpresa e enrubesceu também. Não consegui pensar em outra coisa, a não ser que ela tenha me escolhido justamente para tentar alguma coisa de novo.
- Ah sim, estamos juntos, mas ainda não oficializamos. Sigo solteira então. – Quase que quis complementar com um "infelizmente", mas deixei quieto.
Luísa retomou a cor original do rosto, pegou um café na mesa e deu uma golada longa. De repente tudo ficou devagar. Eu conseguia ver os goles de café descendo sua garganta, conseguia ver a luz entrando na sala pelas janelas coloniais da casa de Luísa, conseguia ver a expressão levemente provocativa de Lúcia.
Ela sabia que eu e Luísa havíamos namorado, para ela ter falado aquilo, ela tinha intenções.
Tudo ficou muito óbvio pra mim.
Então fiz o que qualquer pessoa sã faria no meu lugar: me despedi e fui embora.