O Funeral e o Fim: Um Recomeço Doloroso
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Capítulo 2

A voz do meu padrasto, Rui, era como óleo a ser despejado no fogo. A minha avó afastou o telemóvel da orelha, o seu rosto pálido transformou-se numa máscara de incredulidade.

"Rui, a minha filha acabou de morrer. A tua neta está a sofrer. Tens algum respeito?"

"Respeito? E ela tem respeito pelo Pedro? Pela minha Joana? A Joana está destroçada! Ela vê o Pedro como um irmão mais velho, um pilar para o Afonso. A tua neta está a destruir a nossa família com este capricho!"

"Capricho?" A minha voz saiu mais alta do que eu pretendia. "A minha mãe morreu e o noivo dela não apareceu no funeral. Isso é um capricho?"

Rui fez uma pausa, mas não foi por remorso. "Ele tinha uma razão! O Afonso estava doente! Crianças primeiro, não é o que dizem sempre? A tua mãe já se foi, não há nada que ele pudesse fazer. Mas o Afonso precisava dele!"

As suas palavras eram tão cruéis, tão desprovidas de qualquer sentimento, que me deixaram sem ar.

"Tu és um monstro," sussurrei.

"E tu és uma criança mimada e egoísta, tal como a tua mãe," ele cuspiu de volta. "A Clara nunca soube o seu lugar. Pelo menos a minha Joana é leal. Ela está lá para o Pedro, a consolá-lo. Ele está de coração partido por tua causa."

Ele desligou.

A minha avó olhou para mim, as lágrimas a escorrerem-lhe pelas rugas. "Minha querida, não lhes dês ouvidos. Eles não valem a pena."

Mas as palavras dele já tinham feito o seu estrago. "A consolá-lo?"

Uma imagem horrível formou-se na minha mente: Pedro, o meu noivo, a ser consolado pela minha meia-irmã, a mulher que sempre pareceu ressentir-se da minha felicidade.

Peguei no meu telemóvel e liguei-o novamente. Abri a aplicação de partilha de localização que tínhamos instalado por segurança.

O ponto azul do Pedro não estava em sua casa. Estava num bar no centro da cidade. Um bar conhecido por ser um local de encontros.

Senti o sangue a fugir-me do rosto. "Avó, preciso de ir a um sítio. Podes chamar um táxi para casa?"

Ela assentiu, demasiado abalada para discutir. "Tem cuidado, Ana."

Chamei um Uber. O carro chegou em minutos. Dei ao motorista o endereço do bar, o meu coração a bater descontroladamente contra as minhas costelas.

Durante todo o trajeto, as palavras do Rui ecoavam na minha cabeça. "A tua neta está a destruir a nossa família."

A nossa família. Ele nunca me considerou parte dela. Eu era sempre a "filha da Clara", um apêndice indesejado que veio com o casamento da minha mãe.

Quando o Uber parou em frente ao bar, hesitei por um momento. O que é que eu esperava encontrar? O que é que eu queria provar?

Respirei fundo e saí do carro. A música alta atingiu-me assim que abri a porta. O local estava cheio, corpos a moverem-se ao ritmo da batida.

Percorri o bar com o olhar, o meu coração a afundar-se a cada segundo que passava.

E então, vi-os.

Num canto mais resguardado, numa cabine de veludo vermelho, estavam Pedro e Joana.

Eles não pareciam estar a consolar-se um ao outro.

A cabeça da Joana estava no ombro do Pedro, e ele estava a acariciar-lhe o cabelo. Estavam a rir de algo que ele disse. Ele inclinou-se e sussurrou-lhe algo ao ouvido, e ela riu, uma risada alta e despreocupada.

Não havia sinal de um coração partido. Não havia sinal de preocupação pelo "sobrinho doente".

Havia apenas intimidade. Uma cumplicidade que eu nunca tinha partilhado com ele.

Senti o meu corpo a ficar frio. Era como ver uma cena de um filme, irreal e distante. Mas era a minha vida a desmoronar-se à minha frente.

Aproximei-me da mesa deles, os meus passos firmes no chão pegajoso.

Eles não me viram até eu estar mesmo ao lado deles.

"Febre terrível, não é?" A minha voz era calma, surpreendentemente calma.

            
            

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