O Funeral e o Fim: Um Recomeço Doloroso
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Capítulo 3

Pedro saltou como se tivesse levado um choque elétrico. O seu rosto passou de surpresa para pânico e depois para raiva em questão de segundos.

"Ana! O que estás a fazer aqui?"

Joana, por outro lado, não pareceu surpreendida. Ela apenas se recostou no assento, um sorriso subtil a brincar nos seus lábios. Ela cruzou os braços, observando-me como se eu fosse um espetáculo divertido.

"Eu vim ver o pobre e doente Afonso," respondi, o meu olhar fixo em Pedro. "Mas parece que o bar é a nova ala pediátrica do hospital."

Pedro levantou-se, tentando bloquear a minha visão da Joana, como se isso pudesse apagar a cena que eu acabara de presenciar. "Não é o que parece. A Joana estava perturbada, eu só a trouxe para beber um copo, para a animar."

"Animá-la? Porquê, ela está de luto pela minha mãe também? Que estranho, ela não se deu ao trabalho de aparecer no funeral."

"Tu não percebes!" A voz dele subiu de tom, atraindo a atenção das mesas vizinhas. "A Joana está a passar por muito! Ela estava preocupada contigo, connosco!"

Joana finalmente decidiu falar, a sua voz melosa e cheia de falsa preocupação. "Ana, querida, não faças uma cena. Estás a passar por um momento difícil, as tuas emoções estão à flor da pele. O Pedro só estava a tentar ajudar-me a processar tudo."

"Processar o quê, exatamente?" Olhei diretamente para ela. "Processar como finalmente conseguiste o que sempre quiseste?"

O sorriso dela vacilou por uma fração de segundo. "Isso é ridículo. Eu sempre te apoiei."

"Claro que sim," disse eu, com um sarcasmo cortante. "Tu apoiaste-me tanto que estás aqui, a rir e a beber com o meu noivo, enquanto o corpo da minha mãe ainda nem sequer arrefeceu na campa."

A cara do Pedro ficou vermelha de fúria. "Já chega, Ana! Estás a ser histérica. Vamos para casa e falamos sobre isto."

Ele agarrou o meu braço, mas eu puxei-o com força.

"Não me toques. Não há nada para falar. Eu vi tudo o que precisava de ver."

Olhei para o anel de noivado no meu dedo. A pedra brilhava sob as luzes fracas do bar. Parecia uma piada de mau gosto.

Com um movimento deliberado, tirei o anel do dedo. Ele pareceu pesado na minha mão.

Estendi a mão e deixei-o cair na mesa, mesmo em frente a Pedro. O som metálico foi pequeno, mas para mim, soou como o fim de um mundo.

"Podes ficar com isto," disse eu, a minha voz a tremer ligeiramente pela primeira vez. "Talvez sirva na Joana. Parece que vocês os dois têm muito em comum."

Virei-me para sair, sem olhar para trás.

"Ana, espera!" A voz de Pedro estava desesperada agora.

Mas eu não parei. Continuei a andar, passando pelas pessoas, pela música alta, em direção à porta.

Precisava de ar. Precisava de escapar daquele lugar sufocante, daquelas pessoas sufocantes.

Quando finalmente cheguei à rua, respirei fundo o ar da noite. O meu corpo tremia, não de frio, mas de uma mistura de raiva, dor e um estranho, avassalador alívio.

Estava acabado. Realmente acabado.

O meu telemóvel tocou. Era Pedro. Rejeitei a chamada.

Ele ligou de novo. Rejeitei.

Então, as mensagens começaram a chegar.

"Ana, por favor, fala comigo. Tu interpretaste mal a situação."

"Eu amo-te. Não faças isto."

"A Joana é como uma irmã para mim, nunca houve nada entre nós!"

"Estás a destruir a nossa futura família por causa de um mal-entendido!"

Li as mensagens com um sentimento de desapego. As suas palavras pareciam vazias, desonestas.

Apaguei as mensagens e bloqueei o seu número.

Depois, bloqueei o número da Joana. E o do Rui.

Cortei todas as ligações.

Enquanto estava ali, sozinha na rua, uma constatação atingiu-me com a força de uma onda.

Eu estava completamente sozinha. A minha mãe tinha-se ido. O meu noivo tinha-me traído. A minha "família" tinha-me virado as costas.

Mas, no meio da dor, senti uma faísca de algo novo.

Liberdade.

            
            

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