Pedro levantou-se, tentando bloquear a minha visão da Joana, como se isso pudesse apagar a cena que eu acabara de presenciar. "Não é o que parece. A Joana estava perturbada, eu só a trouxe para beber um copo, para a animar."
"Animá-la? Porquê, ela está de luto pela minha mãe também? Que estranho, ela não se deu ao trabalho de aparecer no funeral."
"Tu não percebes!" A voz dele subiu de tom, atraindo a atenção das mesas vizinhas. "A Joana está a passar por muito! Ela estava preocupada contigo, connosco!"
Joana finalmente decidiu falar, a sua voz melosa e cheia de falsa preocupação. "Ana, querida, não faças uma cena. Estás a passar por um momento difícil, as tuas emoções estão à flor da pele. O Pedro só estava a tentar ajudar-me a processar tudo."
"Processar o quê, exatamente?" Olhei diretamente para ela. "Processar como finalmente conseguiste o que sempre quiseste?"
O sorriso dela vacilou por uma fração de segundo. "Isso é ridículo. Eu sempre te apoiei."
"Claro que sim," disse eu, com um sarcasmo cortante. "Tu apoiaste-me tanto que estás aqui, a rir e a beber com o meu noivo, enquanto o corpo da minha mãe ainda nem sequer arrefeceu na campa."
A cara do Pedro ficou vermelha de fúria. "Já chega, Ana! Estás a ser histérica. Vamos para casa e falamos sobre isto."
Ele agarrou o meu braço, mas eu puxei-o com força.
"Não me toques. Não há nada para falar. Eu vi tudo o que precisava de ver."
Olhei para o anel de noivado no meu dedo. A pedra brilhava sob as luzes fracas do bar. Parecia uma piada de mau gosto.
Com um movimento deliberado, tirei o anel do dedo. Ele pareceu pesado na minha mão.
Estendi a mão e deixei-o cair na mesa, mesmo em frente a Pedro. O som metálico foi pequeno, mas para mim, soou como o fim de um mundo.
"Podes ficar com isto," disse eu, a minha voz a tremer ligeiramente pela primeira vez. "Talvez sirva na Joana. Parece que vocês os dois têm muito em comum."
Virei-me para sair, sem olhar para trás.
"Ana, espera!" A voz de Pedro estava desesperada agora.
Mas eu não parei. Continuei a andar, passando pelas pessoas, pela música alta, em direção à porta.
Precisava de ar. Precisava de escapar daquele lugar sufocante, daquelas pessoas sufocantes.
Quando finalmente cheguei à rua, respirei fundo o ar da noite. O meu corpo tremia, não de frio, mas de uma mistura de raiva, dor e um estranho, avassalador alívio.
Estava acabado. Realmente acabado.
O meu telemóvel tocou. Era Pedro. Rejeitei a chamada.
Ele ligou de novo. Rejeitei.
Então, as mensagens começaram a chegar.
"Ana, por favor, fala comigo. Tu interpretaste mal a situação."
"Eu amo-te. Não faças isto."
"A Joana é como uma irmã para mim, nunca houve nada entre nós!"
"Estás a destruir a nossa futura família por causa de um mal-entendido!"
Li as mensagens com um sentimento de desapego. As suas palavras pareciam vazias, desonestas.
Apaguei as mensagens e bloqueei o seu número.
Depois, bloqueei o número da Joana. E o do Rui.
Cortei todas as ligações.
Enquanto estava ali, sozinha na rua, uma constatação atingiu-me com a força de uma onda.
Eu estava completamente sozinha. A minha mãe tinha-se ido. O meu noivo tinha-me traído. A minha "família" tinha-me virado as costas.
Mas, no meio da dor, senti uma faísca de algo novo.
Liberdade.