"Finalmente! Chegamos!" ele exclamou, quase pulando no banco. "É aqui que tudo começa. Adeus, vida de pobre. Tia Joana, onde fica a casa do homem rico que vai me adotar?"
Tia Joana não respondeu. Ela estacionou o carro em frente a uma casa de aspecto sombrio, com o reboco caindo e grades enferrujadas nas janelas.
"É aqui," ela disse, a voz sem emoção.
"Aqui? Mas... isso parece..." Pedro começou, a confusão nublando sua euforia.
"A casa do Senhor Carlos é lá nos fundos. Ele não gosta de receber gente na porta da frente," Tia Joana mentiu, e eu sabia que era mentira.
Ela nos guiou por um beco estreito e fedorento ao lado da casa. No fundo, havia uma espécie de edícula, com uma única porta de metal e uma pequena janela gradeada.
Uma mulher alta e magra, com um rosto duro e cabelos presos em um coque apertado, abriu a porta antes mesmo de batermos. Era a capanga de Tia Joana, a mesma que cuidava do "depósito" de crianças na minha outra vida.
"Chegaram," a mulher disse, sua voz era como cascalho. "Trouxe os dois?"
"Sim," respondeu Tia Joana. "Este é o Pedro, o garoto de quem te falei. E essa é a garota, a Maria."
Pedro se adiantou, estufando o peito, tentando parecer impressionante. "Prazer em conhecê-la. Eu vim ver o Senhor Carlos. Ele está?"
A mulher o mediu de cima a baixo com um olhar desdenhoso. Então, ela se virou para Tia Joana.
"Este é o garoto? Joana, você perdeu o juízo? Ele é muito velho. E parece fraco."
O queixo de Pedro caiu. "Fraco? Eu sou forte! E eu não sou velho, tenho dezessete anos! Sou quase um homem!"
A mulher riu, um som seco e sem alegria. "Quase um homem não nos serve. Senhor Carlos gosta deles mais novos. Mais... maleáveis. Ele não vai querer esse aí. É um problema."
O mundo de Pedro desabou ali, naquele beco sujo. A expressão de choque e incredulidade em seu rosto era tão intensa que por um momento eu quase senti pena dele. Quase.
"Não... não pode ser," ele gaguejou. "Tia Joana... você me prometeu! Você disse que o Senhor Carlos era um empresário rico que queria um herdeiro! Você disse que ele ia me dar tudo!"
Tia Joana deu de ombros, a falsa simpatia desaparecendo completamente de seu rosto. "Eu disse o que você queria ouvir, garoto. Você achou mesmo que a vida era um conto de fadas? Ricos não adotam moleques de rua para serem herdeiros. Eles usam moleques de rua para outras coisas."
Meu coração se apertou. Eu sabia do que ela estava falando. Na vida passada, Pedro foi "adotado" por Senhor Carlos, sim. Mas não como um filho. Ele se tornou um brinquedo, explorado e abusado até não servir mais, e depois descartado. Sua ascensão social veio muito depois, por outros meios, construída sobre a ruína de muitas pessoas.
Enquanto Pedro processava a brutalidade da verdade, a mulher magra voltou sua atenção para mim.
"E a garota?"
"Ela é bonita. Obediente, na maior parte do tempo," disse Tia Joana, me empurrando para frente. "Senhor Mendes vai gostar dela."
Senhor Mendes. O nome ecoou na minha cabeça, trazendo com ele uma avalanche de memórias dolorosas. O empresário que me "adotou", que me trancou em uma gaiola de ouro, me exibindo como um troféu em suas festas. O homem cuja fachada de filantropo escondia um monstro.
Eu olhei para o rosto chocado de Pedro, para a frieza de Tia Joana, e para a escuridão que me esperava. A pequena vitória na estrada parecia insignificante agora. O verdadeiro jogo estava começando.
A mulher me avaliou como se eu fosse um pedaço de carne no açougue. "Ela serve. Leve-a para o quarto dos fundos. O outro garoto... leve-o para o galpão com os outros rejeitados."
"Rejeitados?" Pedro repetiu a palavra, a voz trêmula. O terror finalmente substituindo a arrogância em seus olhos.
"Sim. O lixo que ninguém quer," a mulher disse, com um sorriso cruel. "Bem-vindo à sua nova vida, garoto."
Pedro olhou para mim, o desespero estampado em seu rosto. Talvez ele esperasse que eu o defendesse, que eu dissesse alguma coisa.
Eu apenas o encarei, meu rosto uma máscara de indiferença. Por dentro, uma satisfação fria começou a se espalhar. Era apenas o começo da sua punição. E eu estaria lá para assistir a cada segundo.