Na minha vida anterior, neste exato momento, eu estava animado, orgulhoso da minha namorada, Luana, e do meu melhor amigo, Pedro. Eles estavam indo para um evento que, segundo eles, mudaria nossas vidas. Eles me disseram que Ricardo, um rival meu da faculdade, tinha conseguido um investimento anjo para uma ideia revolucionária, e queria que eles se juntassem.
Eu acreditei neles. Fui um tolo.
O "investimento anjo" era um esquema de pirâmide. A "startup" era uma farsa. E a única coisa que eles queriam era o código-fonte do meu jogo para vender a Ricardo, que o usaria como "prova de conceito" para enganar mais investidores. Quando me recusei a entregar, eles me mataram. Pedro, meu melhor amigo, segurou meus braços enquanto Luana, o amor da minha vida, me apunhalou.
Agora, eu estava de volta. Com o coração pesado de memórias, mas a mente clara como cristal.
A porta do meu quarto se abriu com um rangido.
"João? Você ainda não está pronto?"
Era Luana. Ela estava linda, vestida com um vestido caro que eu sabia que ela não podia pagar. Seus olhos brilhavam com uma ambição que, na minha vida anterior, eu confundia com paixão.
"Pronto para quê?", perguntei, minha voz soando mais calma do que eu esperava.
"Para a apresentação! Pedro já está lá embaixo esperando. Ricardo vai apresentar o projeto hoje, é a nossa grande chance!"
Ela se aproximou, o perfume dela enchendo o ar, o mesmo perfume que senti enquanto o sangue escorria do meu peito.
"Eu não vou", disse eu, simplesmente.
Luana franziu a testa, a impaciência aparecendo em seu rosto.
"O que você quer dizer com não vai? Nós conversamos sobre isso. É importante para mim, para nós!"
Pedro entrou no quarto logo atrás dela. Ele tinha o mesmo sorriso amigável e solidário que sempre usou para me enganar.
"Qual é o problema, cara? Não me diga que você está com ciúmes do Ricardo só porque ele conseguiu investidores antes de você."
O desprezo em suas palavras era sutil, mas para mim, que já conhecia o final da história, era ensurdecedor. Na minha vida anterior, eu teria ficado na defensiva, tentando explicar que minha preocupação era genuína. Desta vez, não.
"Ciúmes?", repeti, um sorriso frio se formando em meus lábios. "Não, Pedro. Eu não tenho ciúmes. Eu só acho engraçado. Um projeto de tecnologia tão inovador que ninguém sabe explicar o que faz, mas que promete retornos de 30% ao mês. Parece legítimo."
A expressão de Luana vacilou por um segundo. Um pingo de dúvida. Ela não era má por natureza, apenas fraca, ambiciosa e facilmente manipulada. Mas a dúvida desapareceu tão rápido quanto veio, substituída pela irritação.
"Você está sendo ridículo, João! Você só está dizendo isso porque está com inveja! Você passa o dia todo trancado nesse quarto com seu joguinho e não consegue aceitar que outras pessoas estão fazendo sucesso de verdade!"
"Sucesso de verdade?", eu ri, um som seco e sem humor. "Luana, você acha que sucesso é pegar dinheiro de estudantes desesperados e prometer a eles uma fortuna que não existe? Isso não é sucesso, é um crime. É um esquema de pirâmide."
"Como você ousa!", gritou Pedro, dando um passo à frente. "Ricardo é um gênio! Ele está construindo um futuro, e você está aqui, afundado na sua mediocridade, tentando nos arrastar para baixo com você!"
Eu olhei para Pedro, o homem que chamei de irmão. A inveja em seus olhos era tão palpável que chegava a ser sufocante. Ele nunca tinha me apoiado de verdade, ele apenas se mantinha por perto, esperando a minha queda.
"Sabe, Pedro," comecei, minha voz baixa e perigosa, "você mencionou algo sobre um 'investimento anjo' de um grupo de Hong Kong. O nome do grupo era 'Golden Dragon Ventures', não era?"
Pedro congelou. Seus olhos se arregalaram. Era um detalhe que Ricardo tinha inventado na hora para parecer mais convincente, um detalhe que eu só poderia saber se tivesse ouvido a conversa deles planejando o golpe.
Luana não percebeu a mudança em Pedro. Ela estava muito focada na própria raiva.
"E daí? Isso só prova que é um negócio sério! Você está com medo, João. Medo de que eu finalmente consiga algo por mim mesma, sem você!"
"Eu não estou com medo por mim, Luana", disse eu, levantando-me da cama. "Estou avisando vocês. Quando a polícia chegar, e eles vão chegar, não digam que eu não avisei."
Minha calma os desarmou mais do que qualquer grito faria. Eu não estava mais tentando convencê-los, estava apenas declarando um fato. Eu queria me afastar, deixá-los seguir para o próprio destino trágico. Eu já tinha morrido por eles uma vez, não faria isso de novo.
"Chega!", disse Pedro, recuperando a compostura, mas com um tom mais agressivo. "Você vai com a gente. Você não vai estragar a noite da Luana com seu mau humor."
Ele agarrou meu braço. Com força.
"Me solta, Pedro."
"Não. Você vai vir, vai sentar lá, vai aplaudir e vai fingir que está feliz por nós. É o mínimo que você pode fazer."
A ironia era esmagadora. Eles estavam me forçando a assistir ao prelúdio da minha própria morte. Eu tentei me soltar, mas Pedro era mais forte. Ele me arrastou para fora do quarto, com Luana nos seguindo, seu rosto uma máscara de ressentimento.
Enquanto era arrastado pelo corredor, virei minha cabeça para trás e olhei diretamente nos olhos de Luana.
"Luana, escute com atenção", eu disse, minha voz baixa e urgente. "Não invista todo o dinheiro que sua mãe guardou para a aposentadoria. Por favor."
Na minha vida anterior, a perda das economias da mãe dela foi o que a quebrou completamente, o que a tornou cúmplice no meu assassinato, desesperada para recuperar o dinheiro.
Ela me olhou com desprezo.
"Você não manda em mim, João. E não ouse falar da minha mãe. Eu vou investir tudo. E quando eu estiver rica, vou rir da sua cara patética."
Ela se virou e desceu as escadas na frente, sem olhar para trás.
Pedro me empurrou escada abaixo. A porta do apartamento se fechou atrás de nós, e eu soube, com uma certeza terrível, que a tragédia estava, mais uma vez, em movimento. E desta vez, eu estava sendo arrastado para o epicentro dela contra a minha vontade.