O Retorno Do Amor Traído
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Capítulo 2

O carro de Ricardo, um sedã de luxo alugado para a ocasião, cortava as ruas da cidade. Eu estava espremido no banco de trás entre Pedro e outro "associado" de Ricardo, um brutamontes silencioso cuja única função parecia ser garantir que eu não fugisse. Luana estava no banco da frente, ao lado de Ricardo, rindo de algo que ele disse. Ela não olhou para mim uma única vez desde que saímos de casa.

Ricardo me encarou pelo espelho retrovisor, um sorriso presunçoso no rosto.

"Então, João. Ouvi dizer que você tem algumas... preocupações sobre o nosso empreendimento. É bom ser cético, mostra inteligência. Mas às vezes, você tem que dar um salto de fé."

"Eu prefiro saltar de um prédio", respondi, minha voz monótona. "As chances de sobrevivência são maiores."

O brutamontes ao meu lado me deu uma cotovelada nas costelas. Eu grunhi de dor.

"Ei, calma aí!", disse Pedro, mas não havia convicção em sua voz. Era apenas uma performance. "Ele só está estressado. O projeto dele não está indo bem."

Eu olhei para Pedro, para o rosto que um dia confiei. A inveja que ele sentia era como um veneno que havia apodrecido sua alma por dentro. Nesta nova vida, livre da minha ingenuidade, eu podia ver claramente. Ele não me odiava pelo meu fracasso, ele me odiava pela possibilidade do meu sucesso. Meu talento era um espelho para a sua própria mediocridade.

O carro parou em frente a um galpão reformado em uma área industrial da cidade. Luzes coloridas piscavam lá dentro e uma música alta pulsava, abafando o som da razão. Dezenas de jovens, a maioria estudantes universitários, entravam no local com os olhos brilhando de esperança e ganância. Eram as vítimas.

Enquanto Pedro e o outro homem me arrastavam para fora do carro, eu me virei para Luana uma última vez.

"Luana, por favor", eu disse, agarrando o braço dela. "Olhe para essas pessoas. Elas são como nós. Elas têm sonhos, famílias. Não faça isso. Não seja cúmplice disso."

Ela puxou o braço com força, como se meu toque a queimasse.

"Cúmplice? Eu estou garantindo o meu futuro! Algo que você nunca foi capaz de me dar!", ela cuspiu as palavras, o rosto contorcido de raiva. "Você teve sua chance de estar ao meu lado, mas preferiu ficar no seu mundinho de fantasia. Agora saia do meu caminho."

Ela se virou e entrou no galpão de braços dados com Ricardo, a rainha da noite caminhando para sua coroação em um castelo de mentiras.

Fui empurrado para dentro. O lugar estava lotado. Um palco improvisado havia sido montado em uma extremidade, com um telão exibindo o logotipo da "startup" de Ricardo – um nome genérico com um design chamativo que não significava nada. O ar estava quente e abafado, cheirando a suor, perfume barato e desespero. As pessoas gritavam, riam, brindavam com copos de plástico cheios de uma bebida energética barata que estava sendo distribuída gratuitamente.

Era um culto. E Ricardo era o messias.

Eles me forçaram a sentar em uma cadeira em uma das primeiras fileiras. "Para que você possa ver o sucesso de perto", zombou Pedro, antes de se juntar a Luana e Ricardo perto do palco.

Eu me sentia um prisioneiro na primeira fila da minha própria execução repetida. Minha mente estava acelerada. Eu precisava fazer alguma coisa. Eu não podia simplesmente sentar e assistir ao desastre acontecer de novo.

As luzes diminuíram e a música ficou ainda mais alta. Ricardo subiu ao palco sob aplausos frenéticos. Ele era carismático, eu tinha que admitir. Ele falava com uma confiança que beirava a arrogância, pintando um quadro de riqueza fácil e de um futuro sem preocupações. Ele usava jargões de tecnologia que soavam impressionantes, mas eram vazios de significado. "Sinergia blockchain", "disrupção de paradigma quântico", "monetização de dados descentralizada". Era um monte de lixo, mas a plateia estava comendo na mão dele.

Eu olhei para os rostos ao meu redor. Vi a esperança, o desejo de acreditar que um atalho para a felicidade existia. Vi o reflexo da minha própria ingenuidade anterior.

Não. Eu não ia deixar acontecer.

Enquanto Ricardo fazia uma pausa dramática antes de anunciar os "pacotes de investimento", eu me levantei.

"É UMA FRAUDE!", gritei, com toda a força dos meus pulmões.

A música parou. O silêncio caiu sobre o galpão. Todos os olhos se viraram para mim. O sorriso de Ricardo vacilou por um instante.

"É UM ESQUEMA DE PIRÂMIDE!", continuei, minha voz ecoando no silêncio repentino. "ELE ESTÁ PEGANDO O DINHEIRO DE VOCÊS PARA PAGAR OS INVESTIDORES MAIS ANTIGOS! NÃO HÁ PRODUTO, NÃO HÁ TECNOLOGIA! ACORDEM!"

Por um momento, pareceu que minhas palavras tinham surtido efeito. Vi confusão e dúvida nos rostos de algumas pessoas. Mas então, Pedro agiu.

"Ele está louco!", gritou Pedro, apontando para mim. "Ele é meu amigo, mas ele está passando por um momento difícil! Ele está com inveja do sucesso do Ricardo e está tentando sabotar tudo!"

Luana subiu no palco e pegou o microfone. Sua voz tremia, mas ela a forçou a ser firme.

"Por favor, não deem ouvidos a ele", disse ela, com lágrimas falsas nos olhos. "João e eu terminamos recentemente. Ele não está lidando bem com isso. Ele está... doente. Só quer atenção."

A multidão, que por um segundo esteve do meu lado, agora se virou contra mim. Murmúrios de pena e desprezo se espalharam pelo galpão. Eu não era mais um alerta, era um obstáculo para os sonhos deles.

"Tirem ele daqui!", gritou alguém do fundo.

O brutamontes que me trouxe e mais dois "associados" de Ricardo vieram em minha direção. Eu não resisti. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Enquanto eles me arrastavam para fora, passando por fileiras de rostos que me olhavam com raiva e pena, eu senti um desespero profundo. Eu tentei. Eu realmente tentei. Mas você não pode salvar pessoas que não querem ser salvas.

Eles me levaram para uma pequena sala nos fundos, um depósito empoeirado, e me jogaram lá dentro.

"Fique aqui e esfrie a cabeça", disse Pedro, sua voz fria e desprovida de qualquer emoção. "Quando você decidir parar de ser um idiota, talvez a gente te deixe sair."

A porta de metal bateu e a tranca girou. Eu estava sozinho na escuridão, ouvindo os aplausos e os gritos de comemoração do lado de fora. O som de pessoas entregando suas economias, seus futuros, para um mentiroso carismático. O som da história se repetindo.

            
            

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