Quando abri os olhos, o cheiro forte de terra molhada e flores exóticas invadiu meus pulmões.
Eu conhecia aquele cheiro.
Conhecia a luz verde que se filtrava pelas folhas gigantes das árvores, criando padrões dançantes no chão da floresta.
Conhecia a umidade que grudava na minha pele.
Eu estava de volta.
Meu coração, que deveria estar acelerado pelo choque, batia com uma calma assustadora.
Eu estava de volta ao exato momento em que tudo começou.
Olhei para o lado. Joana estava ali, seus olhos brilhando de excitação, exatamente como da primeira vez. Ela era minha melhor amiga, a pessoa que eu mais amava no mundo, até ela me trair.
Na minha vida passada, fomos transportadas juntas para este mundo de lendas. Eu, ingênua e impressionada, fiquei fascinada pelo poder e carisma do Rei Jaguar. Corri para ele, pensando ter encontrado um porto seguro.
Joana, por outro lado, se encantou pela beleza estranha do Curupira e o seguiu para a mata.
Desta vez, algo mudou.
Joana não olhou para o Curupira.
Seus olhos estavam fixos na figura imponente que emergia da selva, o homem com a pele dourada e olhos de predador.
O Rei Jaguar.
Ela correu na direção dele, com um sorriso de triunfo nos lábios, sem sequer olhar para trás.
Um sorriso gelado se formou nos meus lábios.
Pobre Joana.
Ela não fazia ideia do que a esperava.
Ela não sabia que o Rei Jaguar tinha um harém de concubinas, mulheres cruéis que viviam em uma guerra constante por um pingo de sua atenção.
Ela não imaginava o inferno de intrigas, humilhações e solidão que era a vida ao lado dele.
O título de Rainha dos Jaguares, que eu conquistei com tanto sofrimento na outra vida, não era um prêmio. Era uma sentença.
Que ela aproveitasse.
Desta vez, o caminho dela era dela. O meu seria diferente.
Virei as costas para a cena de Joana se jogando nos braços do Rei Jaguar e caminhei na direção oposta.
Lá, encostado em uma sumaúma antiga, estava ele.
O Curupira.
Seus cabelos eram como chamas vermelhas, e seus pés, virados para trás, afundavam levemente na terra fofa. Seus olhos verdes eram profundos e indecifráveis. Na vida passada, Joana o descreveu como frio e indiferente.
Eu me aproximei lentamente.
Ele não se moveu, apenas me observou com uma intensidade que parecia atravessar minha alma.
Parei na sua frente.
Estendi minha mão, a palma virada para cima. Um gesto de confiança. Um pedido silencioso.
Quero ir com você.
Seus olhos se arregalaram por uma fração de segundo. Ele olhou da minha mão para o meu rosto, uma expressão de pura perplexidade em suas feições.
Então, lentamente, ele levantou sua mão e a tocou.
No instante em que sua pele fria tocou a minha, o mundo ao meu redor girou violentamente. As árvores se tornaram borrões verdes e marrons, o chão pareceu desaparecer sob meus pés. Uma tontura avassaladora me atingiu, e a escuridão tomou conta da minha visão.
A última coisa que senti foi um par de braços firmes me segurando antes que eu caísse no chão.
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