A escuridão trouxe as memórias de volta.
Imagens da minha outra vida piscaram na minha mente com uma clareza dolorosa.
Lembro-me de Joana, aprisionada pelo Curupira.
Ela o havia seguido para a floresta, fascinada, mas quando percebeu que ele não lhe daria o poder e o luxo que ela desejava, ela o traiu. Tentou roubar algo dele, algo precioso. Por isso, ele a prendeu em uma gaiola de cipós mágicos.
Ela me chamou.
"Maria! Me ajude! Por favor, você é a Rainha dos Jaguares, você tem poder! Me salve!"
E eu, idiota, fui.
Ainda a via como minha melhor amiga.
O Rei Jaguar me deu seus melhores guerreiros. Fomos até o coração da floresta. Encontramos Joana, chorando, parecendo frágil e arrependida.
Eu ordenei que a soltassem.
No momento em que ela ficou livre, o Curupira apareceu, furioso. Ele não nos atacou, apenas ficou lá, seus olhos em chamas, uma barreira protetora entre nós e a floresta.
E então, aconteceu.
Joana, a amiga que eu acabara de salvar, agarrou meu braço.
"Desculpe, Maria", ela sussurrou.
E me empurrou.
Ela me usou como escudo, me jogando na direção do Curupira enfurecido, enquanto corria para a segurança dos guerreiros jaguar.
A última coisa que vi foram os olhos do Curupira, não de raiva, mas de choque e... tristeza?
Depois, a dor. E o nada.
Ser a Rainha dos Jaguares não foi fácil.
Eu lutei por aquilo. Lutei contra as outras concubinas, que envenenavam minha comida e colocavam cobras na minha cama. Lutei para ganhar o respeito dos guerreiros. Lutei para manter a atenção do Rei, um homem que me via como um troféu exótico, uma posse valiosa.
Eu sangrei por aquele título. Chorei por ele. Sofri por ele.
E por quê?
Para salvar a amiga que, no final, me empurrou para a morte sem hesitar.
Não mais.
Desta vez, não haveria Rei Jaguar. Não haveria harém, nem intrigas, nem a luta constante por um poder que só trazia dor.
Desta vez, eu escolhi o desconhecido.
Eu escolhi o guardião silencioso da floresta.
Acordei em uma cama macia, feita de musgo e folhas secas. A luz que entrava no ambiente era suave, filtrada por paredes que pareciam ser feitas de madeira viva. O ar cheirava a resina e orquídeas.
Sentei-me, a tontura tinha passado.
O Curupira estava sentado em um canto da sala, me observando. O silêncio era pesado, mas não desconfortável.
"Você acordou", ele disse. Sua voz era baixa e rústica, como o som do vento passando pelas árvores.
"Onde estou?", perguntei.
"Na minha casa. No coração da floresta."
Ele se levantou e veio até mim. Seu corpo era esguio, mas forte. Ele parou ao lado da cama e me olhou nos olhos.
"Você me escolheu."
Não era uma pergunta. Era uma afirmação.
Eu assenti. "Sim."
Ele pareceu ponderar minhas palavras por um longo momento. Seus olhos verdes buscaram os meus, como se tentasse ler minha alma.
"Por quê?"
Eu não podia contar a verdade. Não ainda.
"Eu não queria ir com ele", respondi, e isso era verdade.
Ele pareceu aceitar a resposta. Então, ele fez algo que me chocou completamente. Ele se ajoelhou ao lado da cama.
"Então, case-se comigo."
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