O Recomeço de Maria
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Capítulo 3

Passei os dois dias seguintes em um estado de clareza fria. A dor inicial da revelação deu lugar a uma determinação de aço. O primeiro passo era simples: apagar todos os vestígios do nosso projeto compartilhado, o "Connecta".

Entrei no meu antigo computador e deletei sistematicamente cada arquivo, cada linha de código, cada documento de design que havíamos criado juntos. Esvaziei a lixeira. Em seguida, peguei todos os cadernos de anotações, todos os rascunhos em papel, e os queimei em uma pequena lata de metal na varanda do meu dormitório. As cinzas voaram com o vento, levando consigo o último resquício do nosso passado colaborativo.

Pedro não teria nenhuma prova física de que eu estava envolvida. Seria a palavra dele contra a minha. E eu me certificaria de que a palavra dele não valesse nada.

Enquanto eu limpava meu passado, Pedro estava ocupado construindo seu futuro. As notícias sobre sua aproximação com Sofia se espalharam pelo campus como fogo. Ele era visto com ela em todos os lugares. Levando seus livros. Comprando café para ela. Rindo de suas piadas.

Ele era um predador em sua perseguição, e sua falta de sutileza era quase cômica. Ele estava tão focado em seu prêmio que não percebeu que eu havia desaparecido de sua órbita. Ele não me ligou uma única vez. Ele não mandou uma única mensagem. Para ele, eu já era história.

Eu o observava de longe, não com ciúmes, mas com o fascínio clínico de um cientista observando uma amostra sob o microscópio. Eu via a maneira como seus olhos brilhavam com ganância sempre que olhava para ela. Eu via a tensão em seu sorriso, a fome desesperada por aprovação.

Sofia, por sua vez, parecia se divertir com a atenção, mas havia uma reserva em seus olhos. Ela era educada, mas um pouco distante. Ela não era uma tola apaixonada. Ela era filha de um investidor. Ela sabia o que era ser um alvo. Isso me deu um pequeno vislumbre de esperança. Talvez ela não fosse tão fácil de enganar quanto Pedro pensava.

Uma noite, eu estava na biblioteca, pesquisando por uma ideia completamente nova, algo que Pedro nunca poderia prever. Era um conceito que só me ocorreu anos depois na minha vida passada, uma plataforma que combinava redes sociais com um mercado de habilidades peer-to-peer. Era mais complexo, mais ambicioso e muito mais lucrativo do que o "Connecta" jamais poderia ser. Eu o chamei de "Aura".

Enquanto eu rabiscava os primeiros diagramas de fluxo, vi Pedro e Sofia entrarem na biblioteca. Eles se sentaram em uma mesa não muito longe de mim. Pedro estava falando animadamente, gesticulando com as mãos, explicando algo em um de seus cadernos.

Era o nosso caderno. O caderno onde eu havia esboçado a arquitetura central do "Connecta".

Ele estava apresentando meu trabalho como se fosse dele.

"A ideia é criar uma rede que não apenas conecta pessoas, mas prevê as conexões que elas precisam antes mesmo que elas saibam," ele disse, sua voz alta o suficiente para eu ouvir.

Era a minha frase. Palavra por palavra.

Sofia ouviu atentamente, fazendo perguntas inteligentes.

"E como o algoritmo de previsão funcionaria? Qual é a fonte de dados?" ela perguntou.

Pedro hesitou por um momento. Ele conhecia o conceito, mas não os detalhes técnicos. Essa era a minha área.

"É... é um algoritmo proprietário complexo," ele gaguejou. "Ainda está em desenvolvimento."

Sofia assentiu lentamente, um olhar pensativo no rosto. "Entendo."

Naquele momento, eu não senti dor. Eu senti pena. Pena dele. Ele estava construindo seu castelo em areia movediça. Ele tinha o projeto, a casca da ideia, mas não tinha a substância. Ele não tinha a alma. A alma era minha.

Eu voltei para minhas anotações, para os diagramas de fluxo de "Aura". A ideia estava tomando forma, crescendo, se tornando algo real e poderoso em minhas mãos.

Pedro podia ter roubado meu passado. Eu estava ocupada construindo meu futuro. Um futuro onde ele não era nada além de uma nota de rodapé esquecida.

            
            

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