"E daí? Tenho necessidades. Além disso, a comida que você comprou é horrível. Bolacha de água e sal e sardinha em lata? Sério? Eu não como carboidratos depois das seis. E sardinha me dá gases."
Ele estava me deixando louca. Mas ele tinha um ponto. Eu precisava sair para comprar comida decente, ou ele acabaria doente ou algo pior. E eu precisava ir até o centro da cidade para deixar a carta de resgate na capela.
"Tudo bem," cedi, frustrada. "Eu vou sair. Mas se você tentar qualquer gracinha, eu juro que..."
"Que o quê? Vai me amarrar com aquelas cordas horríveis de novo?" ele me interrompeu, com um sorriso zombeteiro. "Relaxa, Moça da Corda Ruim. Eu sou seu consultor, lembra? Estou investido no sucesso desta operação."
Deixei-o no porão com uma garrafa de água e um aviso severo, que soou patético até para os meus próprios ouvidos. Peguei meu casaco, a carta cuidadosamente dobrada no bolso, e saí para a cidade.
O ar fresco foi um alívio depois do ambiente abafado do cativeiro. Mas a liberdade durou pouco. A cidade pequena, que antes era meu refúgio, agora parecia um campo minado. Cada pessoa que passava por mim parecia um policial disfarçado. Cada sirene ao longe fazia meu estômago revirar.
Depois de deixar a carta na caixa de correios da capela, fui ao supermercado. Tentei agir normalmente, empurrando o carrinho pelos corredores, escolhendo itens que Pedro aprovaria: frango grelhado, salada, água de coco. E, contra meu bom senso, procurei pelo maldito shampoo que ele usava.
Na fila do caixa, meu coração quase saiu pela boca. Dois policiais uniformizados entraram no mercado. Eles não estavam olhando para mim, estavam apenas conversando com o gerente, rindo de alguma piada. Mas na minha cabeça, o mundo parou.
Era o Delegado Mendes, o chefe de polícia da cidade. Um homem com fama de ser esperto e implacável.
Eles me descobriram. É o fim. A polícia está aqui por minha causa.
O pânico tomou conta de mim. Larguei o carrinho no meio do corredor, cheio de comida de playboy, e corri. Corri como se minha vida dependesse disso, sem olhar para trás. Empurrei pessoas, esbarrei em prateleiras, o som de latas caindo no chão ecoando atrás de mim.
Só parei quando cheguei de volta ao esconderijo, ofegante, com o peito doendo. Tranquei a porta e me encostei nela, tremendo da cabeça aos pés.
Pedro me olhou com uma sobrancelha arqueada.
"Ué, cadê minhas compras?"
"A polícia," consegui dizer, entre respirações. "Eles estavam lá. No mercado. Eles sabem. Eles estão atrás de mim."
Eu esperava que ele entrasse em pânico também. Que ficasse com medo. Mas ele apenas me encarou com uma calma irritante.
"O Delegado Mendes?" ele perguntou.
"Sim! Como você sabe?"
"Ele joga pôquer com meu pai toda quinta-feira. Provavelmente estava lá só pra pegar um café ou fofocar. Você largou as compras e saiu correndo por causa disso?"
Ele suspirou, como um professor decepcionado com um aluno lento.
"Você é muito amadora."
A calma dele me desarmou. A vergonha substituiu o pânico.
"Eles podiam ter me reconhecido," murmurei, tentando me defender.
"Com esse disfarce? Um moletom com capuz? Super original," ele ironizou. "Você precisa ser mais fria. Mais calculista."
Ele se aproximou de mim. Por um instante, achei que ele fosse tentar fugir, agora que sabia o quão frágil eu era. Mas ele apenas parou na minha frente.
"Sabe o que você deveria ter feito?" ele disse, a voz baixa e intensa. "Você deveria ter me deixado amarrado. Deveria ter me dado um tapa na cara quando eu reclamei. Deveria ter me feito sentir medo. Um sequestrador de verdade faria isso."
Ele estava me desafiando. Seus olhos me perfuravam, esperando uma reação.
Peguei a faca da mesa novamente, a mesma que usei para cortar as cordas. Minha mão tremia. Apontei para ele.
"Não me teste, Pedro."
Ele olhou para a faca e depois para mim. Um sorriso lento se formou em seus lábios, mas não chegou aos olhos. Havia uma ponta de decepção ali.
"Você não vai fazer nada," ele disse, com uma certeza que me quebrou. "Você não tem coragem."
Ele estava certo.
Abaixei a faca, a lâmina fria contra minha perna. A energia sumiu do meu corpo. Senti-me pequena, inútil.
Ele balançou a cabeça, não com raiva, mas com uma espécie de tristeza.
"Eu estou decepcionado, Cacau," ele disse, usando meu apelido pela primeira vez. Ele o ouviu uma vez na confeitaria. "Eu realmente achei que você era diferente."
Ele se virou e voltou para a sua cadeira, deixando-me sozinha com o meu fracasso e a terrível sensação de que eu não estava apenas decepcionando a mim mesma, mas também ao meu refém.