Ele parou, chocado com a rejeição dela. Pela primeira vez em vinte anos, o controle absoluto que ele tinha sobre ela estava falhando.
"Mãe, vamos sair daqui," eu disse, pegando minha bolsa. "Vamos para um hotel."
"Vocês não vão a lugar nenhum!" Carlos gritou, bloqueando a porta. "Essa é a minha casa! Ana, você é minha esposa!"
"Uma esposa que você tentou matar?" a voz da minha mãe saiu mais forte, a dor se transformando em raiva.
Eu já tinha chamado um carro por aplicativo. O mapa no meu celular mostrava que ele chegaria em três minutos. Precisávamos sair dali antes que Carlos fizesse algo ainda mais estúpido.
Enquanto eles discutiam, um som familiar chegou aos meus ouvidos, vindo da rua. Um som que gelou meu sangue.
O ronco de um motor pesado. Um motor de caminhão.
Corri para a janela. E lá estava ele. O mesmo caminhão de entregas azul e branco que nos atingiu na minha vida passada. Ele estava parado do outro lado da rua, o motor ligado, esperando.
O plano B dele.
Se a sabotagem dos freios falhasse, ele tinha um assassino de aluguel esperando para terminar o serviço.
"Mãe, temos que ir. AGORA!" gritei, puxando-a pelo braço.
Carlos, vendo meu pânico, olhou pela janela também. Um sorriso sutil e vitorioso crispou seus lábios. Ele sabia o que estava por vir.
"Tarde demais," ele murmurou.
Agarrei minha mãe e a arrastei em direção à porta dos fundos, que dava para o quintal.
"Ele não vai nos pegar," eu sussurrei, mais para mim mesma do que para ela.
Carlos tentou nos impedir, mas minha mãe, em um surto de adrenalina e fúria, o empurrou com uma força que eu nunca pensei que ela tivesse. Ele tropeçou e caiu, batendo a cabeça na quina da mesa de centro.
Não esperamos para ver se ele estava bem. Corremos para o quintal. O muro dos fundos era alto, mas havia uma pilha de vasos velhos que poderíamos usar para escalar.
"Mãe, rápido!"
O som do motor do caminhão ficou mais alto. Ele estava manobrando, vindo em nossa direção. Ele ia derrubar o portão da frente.
Ajudei minha mãe a subir nos vasos. Ela estava tremendo, mas a vontade de sobreviver a impulsionava. Ela conseguiu alcançar o topo do muro.
"Pula, mãe! Pula!"
Ouvi o estrondo do portão da garagem sendo arrebentado. O caminhão estava entrando na propriedade.
Minha mãe pulou, caindo do outro lado, no gramado do vizinho. Eu estava prestes a segui-la quando ouvi um gemido atrás de mim.
Carlos estava se levantando, o rosto ensanguentado, os olhos queimando de ódio.
"Sua vadiazinha! Você estragou tudo!" ele gritou, correndo na minha direção.
Não tive tempo de pensar. Escalei os vasos o mais rápido que pude. Senti a mão dele agarrar meu tornozelo, as unhas cravando na minha pele. Gritei de dor e chutei para trás com toda a minha força, acertando seu rosto.
Ele me soltou, urrando de dor.
Aproveitei a chance e pulei o muro, caindo desajeitadamente no chão ao lado da minha mãe.
O barulho do caminhão era ensurdecedor agora. Ele estava destruindo a frente da nossa casa, avançando como uma besta de metal. O motorista, um homem com um boné de beisebol e um rosto sem emoção, nos viu correndo pelo quintal do vizinho.
Ele não hesitou. Girou o volante e acelerou, derrubando a cerca de madeira que separava as duas propriedades como se fosse feita de palitos de dente.
"CORRE, MÃE!"
Corremos desesperadamente pela rua dos fundos. O caminhão nos perseguia, suas rodas enormes rasgando a grama e deixando um rastro de destruição.
Pessoas saíam de suas casas, gritando, apontando. O caos era total.
Eu sabia que não conseguiríamos correr mais rápido que ele. Olhei ao redor, procurando uma saída, qualquer coisa. Vi um beco estreito entre duas casas, mal largo o suficiente para uma pessoa passar.
"Ali!" apontei.
Puxei minha mãe em direção ao beco. Estávamos a poucos metros de distância quando o caminhão nos alcançou.
Eu sabia que ele ia nos atingir. Em um último ato de desespero, empurrei minha mãe com toda a força que me restava.
Ela tropeçou e caiu para a frente, rolando para dentro da segurança do beco.
Eu não tive a mesma sorte.
A frente do caminhão me atingiu. Não foi um impacto direto, mas o para-choque de metal me acertou na lateral do corpo, me jogando violentamente contra a parede de tijolos da casa.
A dor foi explosiva, uma supernova branca que apagou tudo. Senti meus ossos quebrarem, o ar sendo forçado para fora dos meus pulmões. Caí no chão, uma boneca de pano quebrada.
A última coisa que vi antes de a escuridão me engolir foi o rosto do motorista. Ele me olhou por um segundo, depois deu marcha à ré e acelerou, fugindo do local.
E ao longe, ouvi o grito desesperado da minha mãe chamando meu nome.
"MARIA!"
Pelo menos ela estava segura. Esse pensamento me trouxe um estranho conforto enquanto eu afundava na inconsciência.