"Cante, Sofia! Cante até ela acordar!", Pedro gritava, seus olhos injetados de sangue.
"Pedro, por favor...", a voz de Sofia falhou, lágrimas escorrendo por seu rosto pálido. "Ela está morta há um ano. Minha voz cura a alma, não ressuscita os mortos."
"Mentira!", ele rosnou, avançando sobre ela. "Sua voz não é divina? Então faça um milagre! Se Carolina tivesse voltado com aquela melodia, nós teríamos envelhecido juntos! Você a matou! Você roubou o meu futuro!"
A culpa era dela, ele dizia. Por ter curado a depressão dele. Por ter aceitado o casamento forçado que a família De Luca impôs como pagamento. Um casamento que fez Carolina, ao saber da notícia no alto da serra onde buscava uma melodia rara para Pedro, se distrair e cair no precipício.
Ele a culpava por tudo.
E agora, ele a forçava a cantar para um cadáver, um ato de crueldade sem fim.
Sofia cantou. Cantou até suas cordas vocais se romperem, até o sangue escorrer por seus lábios, manchando o vestido branco. Cantou até a escuridão tomar conta de sua visão, até seu último suspiro se perder no ar gelado do estúdio.
Seu último pensamento foi de um arrependimento amargo.
Então, tudo ficou silencioso.
E de repente, ela abriu os olhos.
A luz do sol invadia uma sala luxuosa, decorada com móveis caros e obras de arte. O cheiro de lírios frescos pairava no ar. Sofia piscou, confusa. Ela conhecia aquele lugar. Era a mansão da família De Luca.
Sentado em uma cadeira de rodas no centro da sala, com uma expressão sombria e vazia, estava Pedro. Jovem, vibrante, mas com a alma quebrada pela depressão que o impedia de compor.
Ao seu lado, sua mãe, a matriarca Helena de Luca, olhava para Sofia com uma esperança desesperada.
"Senhorita Sofia", disse Helena, a voz controlada, mas cheia de ansiedade. "Nós ouvimos falar do seu dom. Dizem que sua voz pode curar. Por favor, ajude meu filho. Quem o curar, se tornará a herdeira do nosso império musical."
Sofia olhou para a cena. Era o mesmo dia. O dia em que sua vida anterior se transformou em um pesadelo. A mesma promessa tentadora, o mesmo homem que a levaria à morte.
Mas desta vez, algo estava diferente. O medo se fora. A ingenuidade desaparecera. Em seu lugar, havia uma calma fria, uma clareza cortante.
Ela caminhou lentamente até ficar em frente à cadeira de rodas. Pedro não levantou o olhar, perdido em seu próprio inferno particular.
Sofia sorriu. Um sorriso leve, quase imperceptível, mas carregado com o peso de uma vida de dor.
Ela se inclinou um pouco, sua voz clara e firme, sem o menor traço da dor que sentira momentos antes de morrer.
"A inspiração do Sr. Pedro se foi."
Helena e os outros membros da família a olharam, chocados com sua ousadia.
Sofia continuou, seu olhar fixo no homem que a destruíra.
"Ninguém pode trazê-la de volta."
Um silêncio pesado caiu sobre a sala. A expressão de esperança no rosto de Helena se desfez, substituída por pura incredulidade e, em seguida, raiva.
"Como ousa?", a matriarca sibilou. "Você sabe com quem está falando? Oferecemos a você uma fortuna, a chance de uma vida inteira!"
"Eu sei exatamente com quem estou falando", respondeu Sofia, sua voz ainda calma. "Estou falando com uma família que vê as pessoas como ferramentas. E com um homem cuja alma já está morta. Minha voz cura a alma, não preenche o vazio da falta de talento."
Pedro, pela primeira vez, levantou a cabeça. Seus olhos escuros, antes vazios, agora queimavam de ódio. Ele viu o desafio no rosto de Sofia, uma força que ele não lembrava de ter visto antes.
"Tire-a daqui", ele ordenou, a voz rouca pelo desuso.
Sofia não esperou ser expulsa. Ela se virou, caminhando em direção à porta com uma dignidade que não possuía em sua vida passada.
Antes de sair, ela parou e olhou para trás, um último aviso.
"A melodia que ele tanto procura está no fundo de um precipício", disse ela, as palavras soando como uma profecia. "Assim como a alma dele."
Ela fechou a porta atrás de si, deixando para trás uma família em choque e um homem consumido pela fúria.
Lá fora, o sol de São Paulo parecia mais brilhante. O ar, mais fresco. Sofia respirou fundo, sentindo-se livre pela primeira vez em duas vidas.
Enquanto descia os degraus da imponente mansão, um carro preto elegante parou ao seu lado. A janela do passageiro se abriu.
Um homem de terno, com um rosto sério, olhou para ela.
"Senhorita Sofia? Meu nome é Ricardo. Sou assistente do Sr. Marcos Varela."
O nome a pegou de surpresa. Marcos Varela. O único rival de Pedro no cenário musical, um gênio discreto e recluso.
"O Sr. Varela soube de seu dom", continuou o homem. "Ele gostaria de saber se você poderia ajudá-lo."
Sofia olhou para o carro, depois para a mansão dos De Luca. Uma porta se fechara, mas outra, completamente inesperada, acabara de se abrir.
Uma nova vida. Uma nova escolha. E desta vez, ela faria tudo diferente.