Um novo murmúrio percorreu a sala. Marcos Varela. O gênio recluso. Seu acidente fora grave e todos sabiam que sua condição era considerada irreversível pelos melhores médicos do país. Era um caso perdido. Escolhê-lo como paciente era uma forma de humilhar Sofia publicamente, garantindo sua derrota.
Pedro riu abertamente. "Excelente escolha, meu amor. Vamos ver a curandeira milagrosa falhar com o caso mais impossível de São Paulo."
Sofia não demonstrou surpresa. Ela esperava por isso. Ela sabia que eles escolheriam o desafio mais difícil possível.
"Perfeito", disse Sofia, sua calma desarmando a malícia deles. "E como o Sr. de Luca parece tão... recuperado, ele será o seu paciente, Carolina. A aposta será sobre a sustentabilidade da sua 'cura'. Vamos ver quanto tempo essa 'vitalidade' dura."
A multidão ofegou. Sofia estava insinuando que a recuperação de Pedro era uma farsa, uma bomba-relógio.
"Isso é ridículo!", retrucou Carolina, o rosto vermelho de raiva. "Pedro está curado!"
"Então você não tem nada a temer, certo?", Sofia a desafiou. "O prazo é de três meses. No final dos três meses, teremos um evento público onde os dois pacientes serão avaliados por um conselho de médicos independentes."
Pedro se aproximou, o desprezo evidente em seu rosto.
"Você é uma tola, Sofia. Sempre foi. Apegando-se a uma esperança inútil", ele zombou. "Você vai se arrepender disso."
Sofia o encarou, seus olhos profundos e cheios de um conhecimento que ele não podia compreender. Ela se lembrou de seu corpo ficando frio, do sangue em sua garganta.
"Não, Pedro", ela disse em voz baixa, para que apenas ele pudesse ouvir. "Quem vai se arrepender é você. Você já está em um caminho sem volta. Apenas ainda não percebeu."
A confiança dela o perturbou. Por um instante, uma sombra de dúvida passou por seus olhos, mas ele rapidamente a afastou.
"Vamos embora, Carolina", ele disse, virando as costas para Sofia. "Não vamos perder mais tempo com essa perdedora."
Enquanto o casal se afastava, recebendo tapinhas nas costas de seus apoiadores, Sofia se sentiu observada. Ricardo, o assistente de Marcos Varela, aproximou-se dela.
"Senhorita Sofia, o que você fez foi... incrivelmente corajoso. E arriscado", disse ele, a admiração misturada com preocupação.
"Foi necessário", respondeu Sofia. "Podemos ir ver o Sr. Varela agora?"
Ricardo assentiu. "Sim, claro. Ele está esperando."
Eles saíram da festa e foram para o hospital mais exclusivo da cidade. No quarto, Marcos Varela estava deitado em uma cama, pálido e imóvel. Monitores apitavam ritmicamente ao seu lado. Ele estava em coma desde o acidente, meses atrás.
A família de Marcos, um casal de idosos com rostos gentis e cansados, recebeu Sofia com uma mistura de desespero e esperança.
"Os médicos disseram que não há nada a fazer", disse a mãe de Marcos, com a voz embargada. "Mas nós nos recusamos a desistir."
Sofia se aproximou da cama. Ela olhou para o rosto de Marcos. Mesmo em coma, havia uma força em suas feições. Ela sentiu uma estranha conexão com ele, uma familiaridade que não conseguiu explicar.
Ela fechou os olhos, concentrando-se. Ela não precisava cantar em voz alta no início. Seu dom era mais sutil. Era uma ressonância, uma vibração que ela podia projetar. Ela começou a cantarolar suavemente, uma melodia antiga e simples, uma canção de ninar que sua avó costumava cantar.
A melodia encheu o quarto, não com som, mas com uma sensação de paz e calor.
Ela colocou a mão suavemente na testa de Marcos. A pele dele estava fria.
Ela se concentrou, derramando sua energia, sua essência, na melodia. Ela não estava tentando forçar uma cura, mas sim despertar a alma adormecida dele, chamando-a de volta para casa.
Os pais de Marcos observavam, maravilhados. O bipe rítmico do monitor cardíaco, que fora estável e monótono por meses, de repente vacilou, acelerando por um instante antes de se estabelecer em um novo ritmo, um pouco mais forte, mais vivo.
Foi uma mudança minúscula, quase imperceptível para um leigo. Mas para os pais que observavam aquele monitor dia e noite, foi um milagre.
Lágrimas de gratidão encheram os olhos da mãe de Marcos.
"Obrigada", ela sussurrou, apertando a mão de Sofia. "Obrigada. Faremos tudo o que você pedir. Você tem todo o nosso apoio."
Sofia abriu os olhos, sentindo-se um pouco cansada, mas satisfeita. Era um começo.
Ela sabia que a jornada para curar Marcos seria longa e difícil. Mas ao contrário de Pedro, cuja alma era um poço de escuridão e egoísmo, a alma de Marcos estava apenas perdida.
E Sofia era especialista em encontrar o que estava perdido.