A neve caía lá fora, mas o frio dentro do estúdio era ainda mais cortante, um frio que vinha dos ossos e congelava a alma.
Eu sentia o gosto metálico de sangue na garganta, minha voz, antes um dom divino, agora apenas um sussurro rouco e dolorido, enquanto Pedro de Luca, o magnata da música, o homem que um dia curei, me forçava a cantar para um cadáver: o corpo congelado de Carolina.
Ele gritava, seus olhos injetados de sangue, que eu a fizesse acordar, que a minha voz não era divina?
Eu implorava para ele parar, que ela estava morta há um ano, que minha voz curava a alma, não ressuscitava os mortos.
Mas Pedro rosnava que a culpa era minha, por tê-lo curado, por ter aceitado nosso casamento forçado, um pagamento que fizera Carolina cair no precipício.
Eu cantei até minhas cordas vocais se romperem, até o sangue escorrer por meus lábios, manchando o vestido branco.
Cantei até a escuridão tomar conta da minha visão, até meu último suspiro se perder no ar gelado, o arrependimento amargo sendo meu último pensamento.
Então, tudo ficou silencioso.
E de repente, eu abri os olhos novamente, na rica mansão de Luca, vendo Pedro jovem, quebrado pela depressão, e sua mãe me oferecendo uma fortuna para salvá-lo, como se a minha dor nunca tivesse existido.
Eu conhecia aquele lugar, aquele dia.
Mas desta vez, o medo se fora.
A ingenuidade desaparecera, substituída por uma clareza cortante.
"A inspiração do Sr. Pedro se foi", eu disse, olhando para o homem que me destruíra. "Ninguém pode trazê-la de volta."
Minha voz, em vez de curar a alma dele, se tornou uma profecia gélida: "A melodia que ele tanto procura está no fundo de um precipício. Assim como a alma dele."
Eu me recusei, mas ele era um monstro, e dessa vez, ele ia se destruir.
Mal sabia eu que o passado não estava morto, apenas esperando sua chance de ressurgir.