Horas depois, com as malas de dinheiro no banco de trás do carro, eu estava pronta para sumir.
João Pedro, o homem que nunca perdia a calma, me encontrou.
Ele bateu na janela do meu carro, o rosto pálido, a chuva molhando seu terno caro.
Quando eu finalmente baixei o vidro, ele se ajoelhou na calçada molhada, seus olhos vermelhos e desesperados fixos nos meus.
"Duda, por favor, não faz isso", ele implorou, a voz quebrada. "O que eu fiz de errado? A gente pode consertar, seja o que for. Pelo nosso filho... por favor."
O ar ficou pesado.
Eu peguei o envelope da minha bolsa, retirei a imagem granulada do ultrassom e a joguei em seu rosto.
O papel fino e úmido colou em sua bochecha por um instante antes de cair na poça d'água.
"Já fiz o aborto", eu disse, minha voz um gelo cortante. "Não existe mais filho nenhum. Agora, não me incomode mais."
A expressão em seu rosto se quebrou em mil pedaços, uma dor tão crua que por um segundo quase me atingiu.
Quase.
Eu subi o vidro, pisei no acelerador e não olhei para trás.
Cinco anos se passaram.
A água cristalina de uma ilha particular na Tailândia era morna e convidativa, eu flutuava de costas, o sol beijando minha pele, enquanto um homem com um tanquinho impecável me esperava na areia com duas taças de champanhe.
A vida era boa, cheia de luxo e vazia de sentimentos.
Perfeita.
Foi quando uma voz metálica e sem emoção soou diretamente dentro da minha cabeça, tão alta que me fez engasgar com a água salgada.
"Hospedeira, o relacionamento dos protagonistas está em crise."
Eu me sentei na água, olhando ao redor, procurando a origem do som. O homem na praia me olhou confuso.
"Por favor, resolva a crise em um mês", a voz continuou, implacável. "Caso contrário, você será eliminada imediatamente."
Gelei. O sistema. A maldita entidade que me forçou a ser a vilã em primeiro lugar estava de volta.
Eu ri, um som amargo que se perdeu no barulho das ondas.
"O que é isso agora?", perguntei para o nada. "Virei bucha de canhão? Eu já fiz meu papel de vilã, o livro não acabou?"
"O enredo secundário se desviou. A afeição do protagonista masculino pela protagonista feminina caiu para níveis críticos. Sua intervenção é necessária para reacender o romance deles."
Então era isso. Eu tinha que voltar e fazer João Pedro e Sofia, a heroína boazinha, se apaixonarem de novo. Eu tinha que ser a vilã malvada para que a mocinha pudesse brilhar ao "salvar" o herói de mim.
Mais tarde, em um jato particular de volta ao Brasil, a realidade me atingiu como uma tonelada de tijolos.
Eu teria que ver João Pedro de novo.
Pensei no homem de joelhos na chuva, no seu rosto devastado.
Toda a água que eu via do céu naquele voo parecia a burrice que eu tive na cabeça anos atrás, a ilusão de que eu poderia realmente escapar.
O palco do meu retorno foi um leilão de caridade da alta sociedade de São Paulo.
Eu desci do carro, usando um vestido vermelho que era praticamente um pecado, e senti os olhares se virando para mim. Sussurros começaram a se espalhar como fogo em palha seca.
Maria Eduarda, a mulher que destruiu João Pedro, estava de volta.
E então eu o vi.
Ele estava do outro lado do salão, conversando com um grupo de empresários.
Não era mais o rapaz gentil de sorriso fácil que eu conhecia, o homem à minha frente era alto, imponente, vestindo um terno preto que parecia moldado em seu corpo.
Seu rosto era mais anguloso, a expressão fria e controlada, e havia uma intensidade em seus olhos escuros que fez meu estômago revirar.
Ele não tinha me visto ainda.
Mas eu sabia, com uma certeza que gelava meus ossos, que o inferno estava prestes a recomeçar.
E desta vez, eu era a isca.