Quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foi o teto branco do hospital, um branco tão limpo que chegava a ser frio.
A enfermeira entrou, verificou os meus sinais vitais e disse com uma voz calma: "Você acordou, Eva. O seu marido, Pedro, ligou. Ele disse que está a caminho."
Pedro.
O nome dele soou estranho na minha cabeça, como se pertencesse a outra pessoa.
Tentei sentar-me, mas uma dor aguda na parte inferior do meu abdómen fez-me recuar. A enfermeira apressou-se a ajudar-me.
"Tenha calma. Você acabou de passar por uma cirurgia de emergência."
Cirurgia. Certo. O acidente de carro.
Lembrei-me do som de metal a torcer-se, do cheiro a queimado e do grito da minha mãe ao meu lado.
"A minha mãe? Onde está a minha mãe, Lúcia?" perguntei, a minha voz a sair rouca.
"Ela está bem, está a recuperar noutro quarto. O seu sogro, o Sr. Almeida, está com ela."
O meu sogro, João Almeida. O homem que nunca me aprovou, que sempre achou que eu não era boa o suficiente para o seu filho.
Respirei fundo, a tentar acalmar o meu coração acelerado. Se o meu sogro estava com a minha mãe, isso significava que o Pedro não estava.
Nesse momento, o meu telemóvel tocou na mesa de cabeceira. Era o Pedro. Atendi, com a mão a tremer um pouco.
"Eva? Estás bem? Estou quase a chegar."
A voz dele soava apressada, ansiosa. Mas por baixo disso, havia algo mais. Uma distância.
"Onde estavas, Pedro?"
Houve uma pausa do outro lado da linha.
"Eu... eu tive de resolver uma coisa urgente com a Sofia. O carro dela avariou no meio da autoestrada, e ela entrou em pânico. Tu sabes como ela é."
Sofia. A sua ex-namorada de infância. A mulher que ele jurou ser apenas uma "amiga".
"O carro dela avariou?" repeti, a minha voz sem emoção. "Nós sofremos um acidente de carro, Pedro. A minha mãe e eu podíamos ter morrido."
"Eu sei, Eva, eu sei! E sinto muito! Mas a Sofia estava sozinha, assustada. Eu não podia simplesmente ignorá-la. Eu já estou a ir para aí, está bem? Chego em dez minutos."
Ele desligou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa.
Olhei para a minha barriga, coberta pelo lençol do hospital. O nosso bebé, o bebé que tínhamos esperado durante três anos, tinha-se ido.
O médico tinha sido direto. A hemorragia interna era demasiado grave. Tiveram de escolher. Salvaram-me a mim.
As lágrimas que eu não sabia que estava a segurar começaram a escorrer pelo meu rosto.
O Pedro sabia. Eu tinha-lhe ligado do local do acidente, a chorar, a dizer-lhe que estava a sangrar. E mesmo assim, ele foi ter com a Sofia primeiro.
A porta abriu-se e o Pedro entrou, com o cabelo despenteado e uma expressão de preocupação no rosto.
"Eva, meu amor..."
Ele tentou pegar na minha mão, mas eu afastei-a.
"Não me toques."