Quando acordei, o cheiro de desinfetante invadiu as minhas narinas, e o meu mundo era um borrão branco.
O médico, um homem de meia-idade com olhos cansados, estava a tirar as suas luvas de borracha.
"Senhora Costa, a cirurgia correu bem. A sua vida está fora de perigo."
A sua voz era calma, mas cada palavra parecia vir de muito longe.
A minha mão foi instintivamente para o meu abdómen, agora plano. A sensação de vazio era avassaladora.
O meu bebé, o meu filho, que eu tinha carregado durante nove meses, tinha-se ido.
"O meu marido... Ele está aqui?" perguntei, a minha voz era um sussurro rouco.
O médico fez uma pausa, o seu olhar suavizou com uma pena que eu não queria ver.
"Ele não veio. Ligámos várias vezes, mas foi a assistente dele que atendeu. Ela disse que ele estava numa reunião muito importante e não podia ser interrompido."
Uma reunião importante.
Mais importante do que a vida da sua esposa e do seu filho por nascer.
Senti um riso amargo a borbulhar no meu peito, mas o que saiu foi apenas um som sufocado.
Peguei no meu telemóvel ao lado da cama. A bateria estava quase a acabar.
Abri o histórico de chamadas. Havia mais de vinte chamadas não atendidas para o meu marido, Pedro.
E uma única mensagem de texto que ele me enviou há três horas, no meio da minha luta pela vida.
"Eva, para de fazer birra. A Sofia acabou de cair e magoou-se. Estou a levá-la ao hospital. Não me incomodes com coisas sem importância."
Sofia. A sua colega. A sua "melhor amiga".
A mesma mulher que me disse, com um sorriso inocente no chá de bebé, que eu era a mulher mais sortuda do mundo por ter um marido tão atencioso como o Pedro.
Apertei o telemóvel com tanta força que os meus nós dos dedos ficaram brancos.
Não havia mais lágrimas para chorar. Apenas um frio gelado que se espalhava a partir do meu coração.
Liguei para o Pedro.
Desta vez, ele atendeu quase imediatamente.
"Eva? O que se passa agora? Já não te disse que estou ocupado?" A sua voz estava carregada de impaciência.
"Pedro," disse eu, a minha voz surpreendentemente firme. "Vamos divorciar-nos."
Houve um silêncio do outro lado.
Depois, ouvi a voz suave e preocupada de Sofia ao fundo. "Pedro, está tudo bem? A tua esposa está a ligar outra vez? Não sejas demasiado duro com ela, ela está grávida, as hormonas podem ser complicadas."
A sua preocupação falsa era mais irritante do que qualquer insulto.
Pedro finalmente falou, a sua voz agora cheia de raiva.
"Divórcio? Estás a brincar comigo? Só porque não atendi as tuas chamadas? Eva, cresce! A Sofia precisava de mim! Ela está sozinha nesta cidade, não tem mais ninguém!"
"E eu?" perguntei calmamente. "Eu tinha alguém?"
"Tu não estavas a morrer!" ele gritou. "Estavas apenas a ter algumas cólicas, provavelmente. Sempre exageras tudo! Agora a Sofia está com o braço partido por minha causa, e tu queres divorciar-te por causa disto? Tens alguma empatia?"
O braço partido dela.
O meu filho morto.
Fechei os olhos. A decisão estava tomada.
"O nosso filho morreu, Pedro."
O silêncio do outro lado foi longo e pesado.
"O quê... O que é que disseste?"
"Tive uma hemorragia. Perdi o bebé. A cirurgia acabou de terminar."
"Isso é impossível," ele gaguejou. "Tu... Tu estás a mentir para me fazeres sentir culpado."
"Vou enviar-te os papéis do divórcio em breve," disse eu, e desliguei.
Bloqueei o número dele. Depois o da Sofia.
Olhei para a parede branca do hospital, sentindo-me completamente vazia.
O amor, as promessas, os sonhos de uma família. Tudo se tinha transformado numa piada cruel.
O meu telemóvel tocou novamente. Era um número desconhecido.
Atendi.
"Eva? Sou eu, a Sofia. O Pedro está em pânico, ele não consegue contactar-te. O que se passa com o bebé? Isso não é verdade, pois não? Estás apenas a tentar chamar a atenção dele, certo?"
A sua voz era um veneno doce.
"Fica longe de mim," disse eu, a minha voz gelada. "E diz ao meu futuro ex-marido para fazer o mesmo."
Desliguei e desliguei o telemóvel.
O silêncio finalmente regressou.
Era o som do fim. E de um novo começo.