O silêncio na sala de interrogatório se esticou por quase um minuto.
O delegado Santos me encarava, esperando uma reação, uma quebra.
O policial mais jovem, Pedro, andava de um lado para o outro, impaciente.
Eu quebrei o silêncio.
"Eu quero ver meus pais."
Minha voz saiu firme, sem tremor.
Santos franziu a testa, surpreso com o pedido.
"Seus pais? Por quê? Para que eles vejam o monstro em que a filha deles se transformou?"
"Eu só quero vê-los" , insisti, sem me abalar com suas palavras. "É meu direito, não é?"
Ele suspirou, derrotado. Fez um sinal para Pedro, que saiu da sala a contragosto.
A espera foi curta.
Logo, a porta se abriu novamente e meus pais entraram.
Minha mãe, Maria, parecia ter envelhecido dez anos em uma noite, seus olhos estavam vermelhos e inchados de tanto chorar, ela caminhava se apoiando nas paredes, como se suas pernas não a sustentassem.
Meu pai, Carlos, estava com o rosto pálido e uma expressão de incredulidade e dor profunda, ele olhava para mim como se visse um fantasma.
Assim que minha mãe me viu, algemada naquela cadeira, um soluço escapou de sua garganta e ela correu na minha direção, caindo de joelhos ao meu lado.
"Filha! Ana! O que aconteceu? Diz pra mim que não é verdade! Diz pra mim que foi um engano!"
Ela agarrava minhas pernas, seu corpo tremendo incontrolavelmente.
Meu pai ficou parado perto da porta, o olhar fixo em mim.
"Ana Paula" , ele disse, a voz rouca. "O delegado nos contou... Ele disse que você... você confessou."
Ele balançou a cabeça, como se tentasse afastar um pensamento terrível.
"Não pode ser. Nós te criamos, filha. Te demos amor, te ensinamos o certo e o errado. Nós nos matamos de trabalhar para te dar um futuro, para você ir para essa universidade... Por quê? Por que você faria uma coisa dessas?"
A voz dele se quebrou no final, e ele deu um soco na parede, um som surdo de frustração e desespero.
Eu olhei para o rosto angustiado da minha mãe, depois para o desespero do meu pai.
Uma parte de mim queria chorar com eles, abraçá-los e pedir perdão pelo sofrimento que estava causando.
Mas a outra parte, a parte que cometeu o massacre, permaneceu fria e inabalável.
"Fui eu" , disse eu, minha voz soando estranhamente calma no meio de tanta dor. "Fui eu, sim."
Levantei o rosto para encarar meu pai.
Um sorriso macabro, que eu não consegui controlar, se formou nos meus lábios.
"E se eu pudesse, pai, eu faria tudo de novo. Queimaria todos eles mais uma vez."
O choque no rosto dos meus pais foi absoluto.
Minha mãe parou de chorar, o rosto congelado em uma máscara de horror.
Ela me soltou e se arrastou para trás, como se eu fosse algo contagioso, venenoso.
Meu pai cambaleou para trás, batendo na parede, seu rosto perdeu toda a cor.
"Você... você está louca" , ele sussurrou, a voz trêmula. "Essa não é a minha filha. A minha filha não é um monstro."
"Talvez eu seja um monstro, pai" , respondi, o sorriso desaparecendo e dando lugar a uma expressão de cansaço infinito. "Mas foram eles que me criaram."
Um silêncio pesado caiu sobre a sala.
O delegado Santos e o policial Pedro, que haviam ficado em um canto para nos dar espaço, observavam a cena com expressões complexas.
Eu me virei para o meu pai, ignorando o medo e a repulsa nos olhos dele.
"Pai, me escuta. Na nossa casa, debaixo da tábua solta do meu quarto, tem um cartão de banco. A senha é o aniversário do Lucas. Tem dinheiro lá. O dinheiro que vocês me deram para a faculdade e mais um pouco que eu juntei. Usem para cuidar de vocês e do Lucas. Mandem o Lucas para uma boa escola. Longe daqui."
Minhas palavras eram práticas, diretas, como se eu estivesse dando instruções de trabalho.
Era uma despedida.
Eles finalmente pareceram entender a finalidade na minha voz.
A gravidade do que eu tinha feito, e do que ainda estava por vir.