"Eu também amo vocês" , sussurrei. "Mais do que tudo."
E então, num movimento rápido e inesperado, eu me joguei para frente, batendo com a cabeça com toda a força na quina da mesa de metal.
O som foi oco e nojento.
A dor explodiu na minha testa, e o mundo começou a ficar escuro e distante.
Ouvi os gritos da minha mãe, o grito do meu pai, o barulho de cadeiras caindo enquanto os policiais corriam na minha direção.
Alguém me agarrou, me puxando para trás com força.
"Segura ela! Ela está tentando se matar!"
Eu me debati, tentando me soltar, tentando bater a cabeça de novo.
Eu queria o fim.
Eu merecia o fim.
A última coisa que vi antes de apagar foi o rosto aterrorizado dos meus pais e o carpete cinza da sala ficando manchado de um vermelho escuro e vivo.
...
O cheiro de desinfetante e álcool invadiu minhas narinas antes mesmo de eu abrir os olhos.
Minha cabeça latejava com uma dor surda e constante.
Abri os olhos lentamente.
Eu estava em um quarto de hospital, a luz do sol entrando timidamente pela janela.
Minha cabeça estava enfaixada e meu braço estava ligado a um soro.
Meus pais estavam sentados em cadeiras ao lado da cama, dormindo em posições desconfortáveis.
O rosto do meu pai estava enterrado nas mãos, e minha mãe tinha a cabeça apoiada no ombro dele.
Ambos tinham os olhos inchados e rastros de lágrimas secas nas bochechas.
Eles não saíram do meu lado.
Mesmo depois de tudo, eles não me abandonaram.
Um nó se formou na minha garganta.
A porta do quarto se abriu e o delegado Santos entrou.
Ele parecia cansado, com olheiras profundas.
Ele olhou para os meus pais dormindo e depois para mim. Sua expressão não era mais de raiva, mas de uma profunda e exausta confusão.
"Você deu um belo susto em todo mundo" , ele disse em voz baixa, fechando a porta atrás de si.
Eu não respondi. Apenas o encarei.
"Por que, Ana Paula?" , ele perguntou, se aproximando da cama. "Por que se vingar de forma tão brutal e depois tentar tirar a própria vida? O que eles fizeram com você que foi tão terrível a ponto de te transformar nisso?"
O zumbido do ar-condicionado era o único som no quarto.
"Você nunca vai entender" , respondi, a voz rouca.
"Tente me fazer entender" , ele insistiu, sua voz surpreendentemente suave. "Nós encontramos algumas coisas na sua casa. Na fazenda. Encontramos um diário escondido no seu quarto. E encontramos um tipo de remédio... um sedativo forte, escondido no celeiro. O mesmo tipo de substância que o laudo preliminar encontrou no corpo das vítimas, misturado com o veneno."
Ele me olhava fixamente, seus olhos afiados como navalhas.
"O diário está em código, mas nós vamos decifrá-lo. A verdade sempre aparece, Ana Paula. Sempre."
A menção do diário fez meu coração congelar.
As palavras, os desenhos, as datas.
Tudo estava ali.
Toda a sujeira, todo o horror.
A imagem do rosto sorridente do meu avô, do toque nojento do senhor Silva, das ameaças contra a minha família, tudo voltou com a força de um soco.
A calma que eu sentia se quebrou.
Uma raiva vulcânica, que eu mantive represada por anos, finalmente explodiu.
Num movimento rápido, eu me sentei na cama, ignorei a dor na minha cabeça, e agarrei o colarinho da camisa do delegado.
Meus olhos ardiam.
"Eles mereciam! Eles mereciam morrer! Todos eles!" , eu gritei, a voz rouca e cheia de um ódio que assustou até a mim mesma.
Meus pais acordaram com o barulho, assustados.
"Monstros! Eles eram monstros! E eles me transformaram em um deles! Você quer saber o que eles fizeram? Você quer saber? Eles me mataram todos os dias por dez anos! Todos os dias!"
As lágrimas finalmente vieram, quentes e amargas, escorrendo pelo meu rosto enquanto eu o sacudia, meu corpo tremendo com a força da minha fúria e da minha dor.