O Coração de Inovação Roubado
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Capítulo 2

A cerimônia de união da TechCorp era menos sobre amor e mais sobre genética e poder. Era um mercado de elite onde as linhagens mais promissoras eram negociadas como ações na bolsa de valores. O auditório estava cheio de executivos, investidores e os jovens mais brilhantes da indústria, todos observando atentamente enquanto o futuro da empresa era decidido.

A escolha de João por Sofia foi um choque, mas um choque lógico dentro daquela bolha de ambição. Ele se moveu com uma certeza que não possuía na primeira vida. Seus olhos, quando se encontraram com os meus, não continham a curiosidade de antes, mas uma frieza calculada, uma decisão já tomada. Ele também havia renascido. Ele estava reescrevendo o roteiro para obter o que considerava um resultado "melhor".

Eu entendi seu plano instantaneamente. Na vida passada, ele me escolheu, uma engenheira desconhecida de origem humilde, porque seus instintos lhe disseram que eu tinha o potencial biológico, o "coração de inovação", para gerar um herdeiro extraordinário. E eu gerei. Pedro. Mas minha origem simples sempre foi uma fonte de vergonha para ele. Agora, com o conhecimento do futuro, ele optou por um atalho. Ele escolheu Sofia, que se passava por herdeira de uma lendária família de inovadores, dona de seis patentes de alta tecnologia. Uma mentira bem construída, mas uma mentira que o mundo dos negócios acreditava.

Na TechCorp, a "linhagem" era tudo. Não se tratava de sangue azul, mas de "sangue tecnológico". Famílias que, por gerações, produziram gênios da engenharia e da inovação eram consideradas a realeza. Seus filhos tinham acesso aos melhores recursos, e acreditava-se que herdavam uma predisposição genética para a genialidade. Eu e Sofia éramos órfãs, vindas de uma cidade pequena e sem nome. Eu tinha meu talento inato, meu "coração de inovação", mas não tinha pedigree. Sofia, por outro lado, foi mais esperta. Ela fabricou um. Com documentos falsos e patentes roubadas e adaptadas, ela se reinventou como a última descendente da esquecida Casa Valeriana, uma linhagem de inventores que supostamente desaparecera há duas gerações.

Era uma farsa, mas uma farsa convincente.

O processo de seleção continuou. Jovens de famílias com histórico tecnológico comprovado eram rapidamente escolhidos. Era um processo brutalmente eficiente, desprovido de qualquer sentimentalismo. Eu permaneci sentada, uma anomalia no meio de toda aquela nobreza fabricada. Eu era a única sem um histórico familiar impressionante, convidada apenas por ter se destacado em um teste de aptidão técnica que muitos consideravam um acaso.

Finalmente, restavam apenas eu e Carlos, o segundo filho do CEO.

Todos no salão sabiam de Carlos. Ele era a ovelha negra da família, um executivo de tecnologia que sofria de uma doença crônica degenerativa. Sua pele era pálida, seu corpo frágil, e ele tossia constantemente em um lenço. Ele era inteligente, diziam, mas sua condição física o tornava uma aposta ruim, um herdeiro inviável. Ninguém o escolheria.

O CEO, um homem imponente chamado Arthur, olhou para seu filho mais velho com uma expressão de desaprovação.

"João, você tem certeza da sua escolha? Maria da Silva demonstrou uma aptidão sem precedentes em nossos testes."

João sorriu, um sorriso que não alcançou seus olhos.

"Pai, o talento pode ser treinado. A linhagem, não. Sofia carrega o sangue dos Valeriana. O filho que teremos será incomparável."

Ele disse a palavra "filho" com uma certeza arrepiante. Ele já estava sonhando com a reencarnação de Pedro, mas desta vez, com a mãe "certa".

Arthur suspirou, parecendo cansado. Ele olhou para mim e para seu filho mais novo, Carlos, os dois últimos que ninguém queria.

"Nesse caso," ele declarou, sua voz ressoando pelo auditório silencioso, "a união restante está formada. Carlos e Maria. Que esta parceria, embora formada pelas circunstâncias, traga frutos para a TechCorp."

Um riso baixo e abafado percorreu a sala. A pária e o doente. Que par perfeito. João olhou para mim com um sorriso de escárnio, como se dissesse: "Este é o seu lugar. Com os restos".

Sofia, ao seu lado, me lançou um olhar de falsa pena que mal escondia seu prazer. Ela tinha conseguido. Ela tinha roubado minha vida, meu marido, meu futuro, e agora, ela teria meu filho.

Mas enquanto eu olhava para o rosto pálido e cansado de Carlos, que me deu um aceno de cabeça educado e resignado, eu não senti humilhação. Senti uma oportunidade. Eles me empurraram para os braços do único homem naquela família que possuía uma gota de decência.

Eles não sabiam que meu "coração de inovação" não era apenas sobre negócios e tecnologia. Ele me dava uma compreensão intuitiva de sistemas complexos. E o corpo humano era o sistema mais complexo de todos.

Eles me deram um parceiro quebrado. E eu ia consertá-lo.

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