O Coração de Inovação Roubado
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Capítulo 3

Enquanto o CEO finalizava a cerimônia com palavras vazias sobre o futuro e a inovação, minha mente foi arrastada para o passado, para a primeira versão desta vida. A dor da memória era tão real que precisei cravar as unhas na palma da mão para me manter ancorada no presente.

Lembrei-me do dia em que João me escolheu. Ele tinha visto algo em mim, uma faísca que os outros ignoraram. Ele me cortejou com promessas de um futuro brilhante. Eu, uma jovem engenheira ingênua vinda do interior, me apaixonei perdidamente por aquele homem ambicioso e carismático. Nós nos casamos e, um ano depois, Pedro nasceu.

Meu filho.

Ele era perfeito. Desde cedo, demonstrou uma inteligência assustadora. Aos cinco anos, montava circuitos complexos. Aos dez, escrevia códigos que envergonhavam engenheiros seniores. Ele era o "filho prodígio", a prova viva do sucesso da união de João. Eu dediquei cada segundo da minha vida a ele. Eu o nutri, o ensinei, o protegi. Eu era sua maior fã, sua confidente, sua mãe.

Mas à medida que Pedro crescia, a influência de João e o ambiente tóxico da alta sociedade o moldaram. Eles começaram a envenenar sua mente contra mim. Eu não tinha o "sangue" certo. Eu era uma "engenheira de base", uma anomalia cujo único propósito havia sido servir como um útero para a genialidade dele. Lembro-me de jantares de família onde João e Sofia, que na época era casada com Carlos, falavam abertamente sobre a importância da "pureza da linhagem". Sofia olhava para mim com pena e desprezo, enquanto contava histórias inventadas sobre seus "ancestrais inovadores".

Pedro absorvia tudo. Ele começou a se sentir envergonhado da minha simplicidade, das minhas origens. Ele queria a nobreza que Sofia representava. E João alimentou esse desejo, vendo em minha irmã a parceira que ele deveria ter escolhido desde o início.

A lembrança da noite da minha morte voltou com uma força avassaladora. O toque frio da faca de Pedro, a sensação do meu "coração de inovação" sendo arrancado do meu peito. A dor fantasma me atingiu com tanta força que eu engasguei, levando a mão ao peito.

"Você está bem?" , uma voz baixa perguntou ao meu lado.

Era Carlos. Ele me olhava com genuína preocupação em seus olhos cansados.

Eu balancei a cabeça, tentando me recompor. "Estou bem. Apenas... o ar está um pouco pesado aqui."

No palco, o CEO Arthur ainda parecia perplexo com a decisão de seu filho mais velho. Ele se aproximou de João enquanto Sofia se deleitava com a atenção.

"João, explíque-se" , disse Arthur em voz baixa, mas firme o suficiente para que eu pudesse ouvir. "Sofia vem de uma família desconhecida. Os Valeriana são um mito. Seus documentos são, na melhor das hipóteses, questionáveis. Maria, por outro lado, tem um talento bruto que nunca vi antes."

Sofia, sempre a atriz, interveio com uma voz doce e ofendida. "Senhor CEO, minha família pode ter se mantido nas sombras para proteger seu legado, mas nosso sangue é puro. Eu sou a prova disso."

Ela era uma mentirosa tão boa. Ela e eu viemos do mesmo orfanato miserável. Não havia legado, apenas a ambição cruel que a impulsionava. Ela viu meu talento e teceu uma teia de mentiras ao redor dele, posicionando-se como a fonte de uma genialidade que ela não possuía.

João colocou um braço protetor ao redor de Sofia. Ele olhou para o pai e depois para a plateia, declarando com uma paixão teatral:

"Eu amo Sofia. E acredito em seu potencial. Acredito no futuro que podemos construir juntos."

Sofia olhou para ele com adoração fingida, lágrimas brilhando em seus olhos. A plateia, sempre ávida por um romance, aplaudiu. Eles eram o casal perfeito, a união da ambição e da "nobreza".

João então se virou para mim, um sorriso de superioridade em seu rosto.

"E quanto a você, Maria," ele disse, sua voz alta o suficiente para que todos ouvissem. "Parece que você ficará com meu irmão. Tente não cansá-lo demais. Ele precisa de repouso."

A humilhação era palpável. Ele não estava apenas me descartando; estava me jogando no lixo, me emparelhando com o filho que a família considerava um fardo.

Mas eu não baixei a cabeça. Eu me levantei e olhei diretamente nos olhos dele.

"Não se preocupe comigo, João. Preocupe-se com sua escolha. Às vezes, o que brilha mais intensamente não é ouro, mas vidro prestes a estilhaçar."

Dei as costas a ele e caminhei em direção a Carlos, que me observava com uma expressão indecifrável. Ofereci-lhe um pequeno sorriso.

"Parece que somos parceiros, Carlos."

Ele pareceu surpreso com minha compostura, mas assentiu.

"Parece que sim, Maria."

Eu saí do auditório ao lado dele, deixando para trás o drama de João e Sofia. Eles podiam ter o palco. Eles podiam ter a aprovação da multidão. Eles podiam ter um ao outro.

Eu tinha um plano. E, desta vez, eu não era a vítima. Eu era a caçadora.

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