Dois dias se passaram em um silêncio tenso.
Eu não respondi às mensagens dele, mas também não o bloqueei.
Na quarta-feira à noite, ele me ligou.
"Duda? Podemos conversar?"
Sua voz soava cansada.
"O que você quer, Pedro?"
"Eu sei que errei. Fui um idiota. Mas eu queria compensar. Minha família está me esperando na minha cidade natal para o Ano Novo. Eu queria que você fosse comigo. Para conhecer meus pais, para a gente passar um tempo juntos, longe de tudo."
A proposta era tentadora.
Uma chance de recomeçar, talvez. De ver um outro lado dele, o lado família.
"Eu não sei, Pedro."
"Por favor, Duda. Vai ser bom para nós. Eu já até aluguei um carro melhor, mais confortável para a viagem. Prometo que vou cuidar de tudo."
A hesitação na minha voz foi o suficiente para ele. Ele insistiu, prometeu um feriado perfeito.
E eu, contra o conselho da minha mãe e o meu próprio bom senso, aceitei.
Na sexta-feira de manhã, ele apareceu na minha porta.
Estava dirigindo um SUV espaçoso, não o seu carro velho de sempre. O banco do passageiro estava cheio de lanches e bebidas, minhas coisas favoritas.
"Viu? Pensei em tudo" , disse ele com um sorriso orgulhoso.
O gesto me tocou. Parecia o Pedro do início, o Pedro atencioso por quem eu me apaixonei.
Colocamos minhas malas no porta-malas e pegamos a estrada.
O sol brilhava e a música tocava no rádio. Por algumas horas, eu quase esqueci o incidente no shopping. Quase acreditei que tudo ficaria bem.
Mas quando paramos para almoçar em um restaurante de beira de estrada, vi uma notícia na TV que me deixou inquieta.
Uma frente fria estava se aproximando rapidamente do estado, com previsão de chuva congelada e nevascas pesadas nas serras. Exatamente a rota que estávamos seguindo.
"Pedro, você viu isso?" , eu disse, apontando para a tela. "Uma nevasca. Talvez seja melhor a gente pegar um desvio, ou até mesmo parar em um hotel e continuar amanhã."
Ele olhou para a TV e deu de ombros.
"Não se preocupa com isso, Duda. É só previsão do tempo, eles sempre exageram. O carro é 4x4, estamos seguros."
"Mas a polícia rodoviária está recomendando que as pessoas evitem a serra. Pode ser perigoso."
Ele pegou minha mão sobre a mesa, o sorriso dele era tranquilizador, mas algo em seus olhos não me convenceu.
"Meu amor, confia em mim. Eu conheço essa estrada como a palma da minha mão. Vamos chegar antes da neve começar a cair de verdade. E mesmo que caia, vai ser lindo, romântico. Já imaginou? Nós dois, sozinhos, com a neve caindo lá fora?"
Ele falou com tanta doçura, com tanta confiança, que eu me senti boba por me preocupar.
Ele era o motorista. Ele conhecia o caminho. Eu deveria confiar nele.
Voltamos para a estrada.
Uma hora depois, o céu começou a escurecer. A temperatura caiu bruscamente.
Pequenos flocos de neve começaram a dançar no para-brisa.
"Olha, Duda! Começou!" , ele disse, animado.
Mas a animação dele era estranha.
Enquanto a neve se intensificava, transformando a paisagem em um borrão branco e perigoso, a expressão de Pedro não era de preocupação.
Era de satisfação.
Ele cantarolava junto com a música do rádio, batucando os dedos no volante com uma calma assustadora.
O medo começou a se instalar no meu peito novamente.
A estrada estava ficando escorregadia. Os carros à nossa frente diminuíam a velocidade, alguns já parando no acostamento.
Mas Pedro continuava, mantendo uma velocidade constante, como se estivesse em um passeio de domingo.
"Pedro, por favor, vamos parar no próximo posto" , eu pedi, a voz tensa.
"Calma, amor. Estamos quase lá" , ele respondeu, sem tirar os olhos da estrada.
Mas seu sorriso tranquilo, em meio ao caos da tempestade que se formava ao nosso redor, era a coisa mais aterrorizante que eu já tinha visto.
Ele não estava preocupado.
Ele parecia feliz com a nevasca.
E eu tive a terrível sensação de que aquilo não era uma coincidência.
Aquilo era parte do plano.