Lucas forçou um sorriso, tentando esconder sua confusão.
"Estou bem, Daniel. Apenas uma dor de cabeça passageira."
Ele desviou o olhar para outros funcionários no escritório. Todos tinham um número flutuando sobre suas cabeças. Variava de 40 a 70. Parecia um videogame, mas era a sua realidade agora. Ele não sabia como ou por que aquilo tinha acontecido, mas a habilidade parecia real e persistente. Ele decidiu chamá-la de "Medidor de Afeto". Depois de um dia inteiro observando os números, ele começou a entender o padrão: quanto maior o número, mais positiva era a emoção da pessoa em relação a ele. Respeito, amizade, admiração.
Apesar da estranheza da situação, uma sensação de calma o invadiu. Afinal, ele estava prestes a se encontrar com Sofia, sua namorada de infância e noiva. Eles estavam juntos há mais de dez anos, um amor que começou na inocência da juventude e floresceu em um noivado sólido. Ele tinha certeza de que o número dela seria o mais alto de todos, talvez chegando a 100, um reflexo do amor profundo e inabalável que compartilhavam. Ele mal podia esperar para ver a confirmação visual do sentimento que aquecia seu coração.
Ele a encontrou no restaurante de sempre, um lugar elegante e discreto onde comemoraram inúmeros aniversários e marcos. Sofia estava deslumbrante como sempre, com um vestido que acentuava sua beleza e um sorriso que, para ele, iluminava qualquer ambiente.
"Lucas, meu amor!"
Ela se levantou e o abraçou com força. Ele a abraçou de volta, inalando seu perfume familiar. Por um momento, ele se esqueceu da nova habilidade, perdido no conforto da presença dela. Mas quando se afastou para olhá-la nos olhos, a caixa de texto apareceu. O número que ele viu o deixou sem ar.
[Afeto: 0]
Zero. Um zero frio, nítido e inequívoco pairava sobre a cabeça da mulher que ele amava mais do que tudo no mundo. Ele sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Seu cérebro se recusava a processar a informação. Era um erro. Tinha que ser um erro. O sistema devia estar com defeito.
"O que foi, querido? Você parece pálido."
A voz dela era mel e preocupação, mas o número não mudava. Zero.
"Não é nada. Só... muito trabalho", ele mentiu, forçando um sorriso que parecia uma careta.
Durante o jantar, ele tentou ignorar o número, focando em suas palavras, em seus gestos, em dez anos de memórias compartilhadas. Mas o zero era como um alarme silencioso, gritando em sua mente.
Foi então que ela começou a falar, com uma expressão de tristeza cuidadosamente ensaiada. Ao lado dela, seu suposto irmão, Mateus, que se juntara a eles para o jantar, suspirou dramaticamente.
"Lucas, eu preciso te contar uma coisa. É sobre minha família."
Sofia vinha de uma família que ela descrevia como "antiga e orgulhosa, mas que passou por tempos difíceis". Ela raramente entrava em detalhes, mas sempre insinuava uma linhagem nobre e uma fortuna perdida. Agora, ela alegava que havia uma chance de sua família "recuperar seu lugar de direito na alta sociedade".
"Meu pai descobriu uma oportunidade de investimento que pode restaurar o nome da nossa família, de nos colocar de volta no mapa", disse ela, com os olhos marejados. "Mas... nós não temos o capital inicial. É uma quantia significativa."
Mateus interveio, com um tom sério.
"É uma chance única, Lucas. Para a Sofia, para o futuro dela. Para o nosso futuro."
Lucas olhou de um para o outro. O "Medidor de Afeto" sobre a cabeça de Mateus também mostrava um número, um número que o deixou ainda mais perturbado.
[Afeto: -20 (Desdém)]
Vinte negativo. Desdém. O homem que ele tratava como um futuro cunhado, que ele ajudara inúmeras vezes, sentia desdém por ele. E Sofia... zero. Um vazio absoluto de afeto.
Seu coração e sua mente estavam em guerra. Seu coração gritava que aquilo era Sofia, seu amor, sua futura esposa. Ela precisava dele. Sua mente, no entanto, processava os dados frios e implacáveis que sua nova visão lhe mostrava. Zero e menos vinte.
"De quanto vocês precisam?", ele perguntou, sua voz soando distante para seus próprios ouvidos.
Sofia mencionou uma quantia exorbitante, um valor que faria a maioria das pessoas engasgar. Para Lucas, um empresário de tecnologia bem-sucedido, era factível, mas ainda assim, um investimento maciço.
Ele olhou para o rosto ansioso de Sofia. O zero ainda estava lá, zombando dele. Mas então ele olhou em seus olhos, os mesmos olhos pelos quais se apaixonou quando era apenas um garoto. Ele se lembrou de todas as promessas que fizeram, de todos os sonhos que construíram juntos. Ele não podia abandoná-la. Talvez o medidor estivesse errado sobre ela. Talvez o estresse da situação estivesse afetando o resultado. Ele tinha que acreditar em seu amor, no amor deles.
"Tudo bem", disse Lucas, a decisão saindo de seus lábios antes que ele pudesse pensar melhor. "Eu vou ajudar. Pelo seu futuro. Pelo nosso futuro."
O alívio no rosto de Sofia foi instantâneo, substituído por um sorriso radiante. Ela se inclinou sobre a mesa e pegou a mão dele.
"Oh, Lucas! Eu sabia! Eu sabia que podia contar com você. Você é o homem mais generoso e incrível que eu conheço. Eu te amo tanto."
Enquanto ela falava, ele observava o número sobre sua cabeça.
Permaneceu em zero. Imóvel. Absoluto. E pela primeira vez, uma semente de dúvida real e gélida começou a brotar em seu coração. Ela dizia que o amava, mas o medidor dizia o contrário. Um deles estava mentindo.
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