Quando cheguei, meus joelhos cederam. João estava no chão, uma poça de sangue se formando sob sua cabeça. Dois homens, capangas que eu conhecia de vista, ambos trabalhando para Ricardo Mendes, o dono da maior frota pesqueira da região, guardavam o corpo como cães de caça. Um deles limpava o sangue de um porrete de metal.
"O que vocês fizeram?", gritei, a voz rasgando minha garganta.
O homem com o porrete, um brutamontes chamado Valdir, olhou para mim sem um pingo de remorso. Seus olhos eram frios, vazios.
"Ele não devia ter se metido onde não foi chamado. Viu o que não devia."
A lógica dele era torcida, uma desculpa cruel para a brutalidade. Ricardo Mendes estava comprando fiscais ambientais, forjando acusações contra nós, os pescadores artesanais, para tomar nossas áreas de pesca. João, meu filho, tinha visto a troca de envelopes, o aperto de mão sujo. Ele queria denunciar, queria justiça.
"Ele é só um menino!", supliquei, me arrastando em direção ao meu filho. "Ele só queria um futuro!"
"E agora ele não tem mais um", disse Valdir, com uma calma que me gelou a alma. "Ricardo Mendes não gosta de testemunhas. O moleque foi avisado para ficar quieto. Ele não ouviu. A culpa é dele."
A raiva e a dor explodiram dentro de mim. Ignorei os capangas e me joguei ao lado de João. Seu rosto, que poucas horas antes sorria com a expectativa dos resultados do ENEM, estava pálido e machucado. Seus lábios tremiam, tentando formar palavras.
"Pai...", ele sussurrou, o som quase inaudível.
"Estou aqui, filho. Estou aqui", chorei, segurando sua mão. "Vamos te levar para um hospital. Você vai ficar bem."
Eu tentei levantá-lo, mas meus braços tremiam sem força. O sangue dele manchava minhas mãos, minha camisa, minha alma. Era quente e pegajoso. A vida dele estava escorrendo por entre meus dedos.
João apertou minha mão com a pouca força que lhe restava. Seus olhos, já perdendo o foco, encontraram os meus.
"Não se preocupe... comigo, pai", ele falou, cada palavra uma luta. "Você... você tem que... realizar o seu sonho... comprar um barco maior..."
O sonho nunca foi meu, era dele. Ele queria que eu tivesse mais segurança, mais conforto. Ele queria se tornar engenheiro naval para proteger homens como eu. Mesmo à beira da morte, sua preocupação era comigo. A pureza dele naquele momento tornou a tragédia ainda mais insuportável. Uma lágrima escorreu pelo canto de seu olho e se misturou com o sangue em sua têmpora.
"Não, João! Você vai ficar bom! Você vai para a universidade! Você vai ser engenheiro!", eu gritava, desesperado.
Tentei me levantar para correr, gritar por ajuda, mas o segundo capanga, mais magro e com uma cicatriz no rosto, bloqueou meu caminho. Ele fechou o portão de acesso ao cais, trancando-o com uma corrente pesada. O som do metal batendo foi o som da nossa sentença.
"Ninguém entra, ninguém sai", disse o homem da cicatriz. "Ordens do chefe."
Do outro lado do portão, alguns pescadores começaram a se juntar, atraídos pelos gritos. Eles gritavam meu nome, perguntavam o que estava acontecendo, mas não podiam passar. Estávamos presos. A ajuda estava a poucos metros, mas um portão de ferro e a crueldade de Ricardo Mendes nos separavam dela.
O desespero tomou conta de mim. Olhei para os dois homens, meus olhos queimando de ódio e súplica.
"Me levem", eu implorei, a voz quebrada. "Deixem o menino. Eu fico no lugar dele. Me matem, façam o que quiserem, mas chamem uma ambulância para ele. Por favor, eu troco a minha vida pela dele!"
Eles apenas riram. Um riso baixo, debochado, que ecoou no cais junto com o som das ondas mansas que batiam na madeira. Para eles, nossas vidas não valiam nada. Éramos apenas obstáculos nos negócios de um homem poderoso. E meu filho, meu João, era o preço que eles estavam dispostos a pagar para manter seus segredos.