"Senhor Pedro Henrique da Silva?", o promotor perguntou, com uma voz firme, mas não hostil. "Recebemos uma denúncia grave sobre a morte do seu filho, João da Silva, e sobre a conduta da polícia local. Estamos aqui para assumir a investigação."
Por um breve momento, uma faísca de esperança se acendeu no meu peito escuro. Talvez a justiça não estivesse completamente morta.
Enquanto eu contava tudo o que tinha acontecido, desde o momento em que vi João caído até a apreensão do meu barco, os outros pescadores que estavam no velório confirmavam minha história. Eles falavam da opressão constante de Ricardo, das ameaças, das multas forjadas.
Meu cunhado, no entanto, observava tudo de longe, com desaprovação. Escutei ele sussurrando para a esposa: "Esse Pedro é um idiota. Vai arrumar problema para toda a família. Deveria ter aceitado o dinheiro e ficado quieto. Agora vai irritar gente poderosa por nada."
Suas palavras eram um veneno lento. A ironia era que ele falava de "irritar gente poderosa", mas o verdadeiro poder sempre esteve nas nossas mãos, na nossa união, algo que homens como ele e Ricardo nunca entenderiam.
Minha mente voltou no tempo. Lembrei-me de quando Ricardo Mendes chegou à vila, anos atrás. Ele não era o magnata que é hoje. Era apenas um comerciante de peixes com um barco um pouco maior que o meu. Nós o acolhemos. Ele comia na minha casa, bebia cachaça com os outros pescadores, chamava minha esposa de "comadre". Ele prometia um futuro melhor para todos, uma cooperativa onde todos lucrariam juntos.
"Vamos crescer juntos, Pedro", ele me disse uma vez, com um braço sobre meus ombros. "Essa vila tem potencial. Com a minha visão e a força de vocês, vamos longe."
Nós acreditamos. Apoiamos ele. Vendemos nosso peixe exclusivamente para ele a um preço que ele chamava de "justo". Mas a "cooperativa" nunca se materializou. Ele usou nosso trabalho para construir seu império. Aos poucos, ele comprou barcos maiores, construiu um frigorífico, e começou a nos tratar não como parceiros, mas como empregados. E depois, como lixo.
A traição dele não foi repentina. Foi um processo lento e doloroso. Ele começou a contratar capangas, a pressionar por preços mais baixos, a usar sua influência para nos prejudicar. Minha falecida esposa, Helena, foi a primeira a ver a maldade nele. "Esse homem não tem coração, Pedro", ela me dizia. "O único deus dele é o dinheiro." Eu, tolo, demorei a enxergar.
A morte de João foi o ápice dessa longa traição. O catalisador foi simples. Ricardo queria monopolizar uma área de pesca rica em lagostas, uma área que por lei era reservada para a pesca artesanal. Para nos tirar de lá, ele subornou fiscais do IBAMA para que eles plantassem redes ilegais em nossos barcos e depois nos multassem, apreendendo nosso equipamento. João ouviu o plano. Ele gravou um pedaço da conversa no celular, a conversa entre Ricardo e o fiscal. Ele queria levar a gravação para a polícia honesta, a Polícia Federal. Por isso, ele foi silenciado.
Enquanto eu terminava meu depoimento ao promotor, o sargento Bastos, o chefe da polícia local, entrou na sala. Seu rosto estava vermelho de raiva.
"Doutor, com todo o respeito, essa é a nossa jurisdição", ele disse, tentando parecer oficial. "Já temos uma investigação em andamento. A morte do rapaz foi resultado de uma briga de gangues. O pai", ele apontou para mim, "está apenas transtornado."
"Sargento", o promotor respondeu, com uma frieza cortante, "sua 'investigação' está sob suspeita. A partir deste momento, o senhor e seus homens estão afastados do caso. Por favor, entregue todos os relatórios e evidências que coletaram."
Bastos ficou pálido. Ele olhou para mim com puro ódio. Eu sabia que, de alguma forma, ele avisaria Ricardo. A chegada do promotor era uma esperança, mas também significava que o tempo estava correndo. Ricardo Mendes não ficaria parado esperando a justiça alcançá-lo. Ele agiria, e agiria rápido e com força. A pequena esperança que senti foi rapidamente engolida por uma nova onda de medo. A batalha estava apenas começando.