Ele desligou o telefone e olhou pela janela de vidro, que ia do chão ao teto, para a frota de barcos industriais ancorada na baía. Eram monstros de aço, ofuscando os pequenos barcos de madeira dos pescadores. Eram o símbolo do seu poder.
Ele se virou para Valdir, seu chefe de segurança, que estava parado em um canto da sala.
"Aquele pescador, o Pedro... ele continua sendo um problema", disse Ricardo.
"Ele não tem nada, chefe. O barco está apreendido, o filho está morto. Ele não pode fazer nada."
Ricardo sorriu, um sorriso sem humor. "Não subestime um homem que não tem mais nada a perder. Ele tem a simpatia daquela gente. E agora tem a atenção de um promotor. Isso é ruim para os negócios."
Ele caminhou até sua mesa e pegou um porta-retratos. Era uma foto dele com sua nova esposa, uma mulher vinte anos mais nova, sorrindo em uma praia em algum lugar exótico.
"Sabe, Valdir", Ricardo continuou, com uma voz quase sonhadora, "eu já estou negociando a venda de toda a operação para um grupo estrangeiro. Um contrato de milhões. Depois disso, eu e a Cláudia vamos sumir deste buraco. Viver na Europa. Mas para isso, preciso que tudo esteja... limpo. Sem pontas soltas."
A revelação caiu sobre Valdir como uma pedra. Ricardo não estava apenas consolidando seu poder, ele estava planejando abandonar o barco, deixando todos para trás.
"Uma ponta solta como o celular do garoto?", Valdir perguntou, cauteloso.
"Exatamente", Ricardo confirmou. "Nós não o encontramos no corpo. E o garoto era esperto. Ele pode ter escondido, enviado para alguém... Não podemos arriscar. Encontre aquele celular."
Enquanto isso, no necrotério, o promotor e sua equipe trabalhavam. As pessoas da vila, que antes se encolhiam de medo de Ricardo, agora se aglomeravam do lado de fora, suas vozes se erguendo em um murmúrio de apoio.
"Assassino!", uma mulher gritou, referindo-se a Ricardo.
"Queremos justiça para o João!", outro pescador bradou.
Era a primeira vez em anos que a comunidade se unia contra o tirano. A morte do meu filho, por mais terrível que fosse, tinha despertado algo neles.
Dentro da sala fria, um médico legista, trazido pelo promotor, finalizava seu exame. Ele se aproximou de nós, seu rosto sério.
"A causa da morte foi traumatismo craniano severo, causado por múltiplos golpes com um objeto contundente e pesado", ele disse, em termos técnicos e frios. "Não foi uma briga. Foi uma execução. E...", ele hesitou, "ele não morreu instantaneamente. Ele sofreu por vários minutos."
A confirmação clínica da crueldade que eu já sabia quebrou o que restava do meu autocontrole. A esperança de justiça, a raiva, a dor... tudo se dissolveu em um vazio gelado. Eu não sentia mais nada. Era como se meu corpo fosse uma casca oca. Eu apenas assenti, incapaz de formar uma palavra. O promotor colocou uma mão no meu ombro, um gesto de solidariedade, mas eu mal senti.
Nesse momento, um dos capangas de Ricardo, o mesmo com a cicatriz no rosto que havia trancado o portão do cais, apareceu na porta. Ele estava sendo escoltado pelos policiais estaduais. Ele olhou para mim, e um sorriso quase imperceptível tocou seus lábios.
"Eu decidi cooperar", ele disse ao promotor, mas seus olhos estavam em mim. "Eu conto tudo o que sei. Mas só se me derem proteção e imunidade."
Ele era uma cobra, trocando de pele para salvar a si mesmo.
"E...", ele acrescentou, com uma voz melosa, "eu sei onde o garoto escondeu o celular. Eu posso levar vocês até lá. Eu posso ajudar a colocar o Ricardo na cadeia."
Era uma promessa. Uma promessa de justiça vinda da boca de um dos assassinos do meu filho. E no meu estado de torpor e desespero, eu não vi a armadilha. Eu vi apenas uma chance. Uma chance de vingar João.