Quando Pedro finalmente chegou a casa, já era tarde. A casa estava silenciosa e escura. Ele sentiu uma estranha sensação de desconforto, como se estivesse a entrar num lugar desconhecido. Uma pontada de culpa atravessou-o.
Ele viu Clara sentada no sofá, imóvel. Para tentar quebrar o gelo, ele estendeu-lhe um copo de plástico. "Olha o que eu te trouxe. Aquele batido da moda que toda a gente está a beber."
Clara olhou para o copo. Era verde. Verde-claro, a cor do abacate. A mesma cor do suco na foto. Uma onda de repulsa subiu-lhe pela garganta.
"Eu não gosto de abacate," disse ela, com a voz calma, demasiado calma. "Tu sabes disso."
Pedro ficou sem jeito. "Ah, desculpa. Eu esqueci-me. Mas este é diferente, tem outras frutas misturadas." Ele tentou tocar-lhe no ombro, mas ela recuou como se ele estivesse em chamas. Ele viu-a esfregar o ombro, no sítio onde ele quase lhe tinha tocado, como se estivesse a limpar algo sujo. O gesto dele foi tão repulsivo para ela.
Um trovão soou lá fora, e a chuva começou a cair com força. A tempestade parecia refletir a turbulência no coração de Clara. Ela sentia-se frágil e exposta, como se as paredes da casa já não a pudessem proteger.
Pedro sentou-se ao lado dela, tentando novamente. "Clara, o que se passa? Estás estranha." Ele tentou abraçá-la, mas o corpo dela estava rígido nos seus braços. Ela não o empurrou, mas também não respondeu. Era como abraçar uma estátua de gelo. Ele não sabia que a sua carícia deixava marcas invisíveis na pele dela, marcas que ela queria esfregar até desaparecerem.
O celular dele tocou. Ele olhou para o ecrã e o seu rosto mudou. Era Sofia. Ele levantou-se rapidamente.
"Tenho de ir," disse ele, com a voz apressada. "É urgente, do trabalho."
Clara observou-o a vestir o casaco, a pegar nas chaves, a correr para a porta. Ele nem sequer olhou para trás. Ela ouviu os seus passos apressados a descer as escadas, a correr para outra pessoa, uma pessoa que precisava dele mais do que ela.
Clara ficou sozinha na sala escura, a ouvir o som da chuva e dos trovões. As palavras dele ecoavam na sua mente: "É urgente." Para ele, o amor era ser meticuloso, era estar presente, era ser urgente. Mas essa urgência, essa atenção, já não era para ela.