Ana Clara usou sua influência para que o conselho da cidade embargasse o evento, alegando falta de alvarás e preocupações com a segurança. Oficiais chegaram à praia e começaram a desmontar o palco, sob os protestos dos amigos de Pedro.
"Isso é um absurdo! Temos todas as permissões!", gritava um deles, um surfista de longa data chamado Léo.
Mas os oficiais eram inflexíveis, mostrando uma ordem assinada que tinha o peso do dinheiro da família de Ana Clara. Maria Eduarda sentiu a primeira onda de humilhação. Vê-los desfazendo o tributo ao seu amor, peça por peça, era uma tortura. Ela estava sendo publicamente despojada da sua chance de honrá-lo.
A dor emocional era tão intensa que se manifestou fisicamente. Uma pontada aguda atravessou seu ventre, e ela teve que se apoiar em uma amiga para não cair. A gravidez, já delicada, sentia cada golpe desferido contra sua mãe.
Enquanto a confusão se instalava na praia, os boatos, como uma praga, começaram a se espalhar novamente, mais venenosos do que nunca.
"Viu só? Ela nem consegue organizar um evento simples. É uma incompetente."
"Dizem que ela inventou essa história do projeto social para pegar o dinheiro das doações."
"A coitada da Ana Clara, tendo que aguentar essa golpista usando o nome do Pedro."
Os sussurros chegavam aos ouvidos de Maria Eduarda, cada um uma nova ferida. Ela se sentia isolada, um alvo no centro de uma arena. Seus amigos a defendiam, mas a maré da opinião pública, manipulada por Ana Clara, parecia virar contra ela.
O golpe mais cruel veio em seguida.
Ana Clara desceu de sua casa e caminhou pela areia como uma rainha inspecionando seus domínios. Ela usava um vestido branco esvoaçante que evidenciava sua própria gravidez e, no pescoço, brilhava um colar que fez o coração de Maria Eduarda parar.
Era um pequeno pingente de concha, uma peça única que a avó de Pedro havia lhe dado, e que ele, por sua vez, dera a Maria Eduarda no primeiro aniversário de namoro. Era o tesouro de sua família, um símbolo do amor que os unia através das gerações.
Ver aquela joia, que representava tanto, no pescoço da mulher que estava destruindo sua vida, foi a profanação final. Era como se Ana Clara tivesse roubado não apenas um objeto, mas um pedaço da sua história, da sua identidade.
A visão foi tão forte que Maria Eduarda sentiu o ar faltar. A humilhação era completa. Ana Clara não estava apenas se apropriando do futuro de Pedro, mas também do seu passado.
De volta ao seu pequeno ateliê, sentindo-se derrotada, Maria Eduarda pegou papel e caneta. Se não podia lutar publicamente, talvez devesse apenas se retirar, desaparecer. Ela começou a rascunhar uma carta, um documento que terminaria qualquer vínculo legal que pudesse ter com o legado de Pedro, uma renúncia, uma rendição. As palavras saíam borradas pelas lágrimas.
A porta do ateliê se abriu com um estrondo.
Era Ana Clara. Sozinha. Seu rosto não tinha mais o sorriso suave de antes, mas uma máscara de desprezo e triunfo.
"Vejo que já está se preparando para fugir, ratinha", disse ela, olhando para o papel na mesa.
Uma das amigas de Maria Eduarda, que estava com ela, tentou intervir. "Saia daqui! Você não é bem-vinda!"
Ana Clara a empurrou para o lado com uma força surpreendente. "Não fale comigo, empregadinha. Meu assunto é com a golpista."
Ela se aproximou de Maria Eduarda, seu olhar fixo na barriga dela.
"Você acha mesmo que esse seu teatrinho vai funcionar? Acha que esse filho vai te dar algum direito?"
A provocação era direta, cruel.
"Esse projeto social ridículo... essa sua aura de santinha sofredora... Ninguém mais acredita em você."
Ela parou bem em frente a Maria Eduarda, o colar de concha brilhando como um insulto.
"Pedro nunca quis nada disso. Ele queria poder, sucesso. Coisas que só a minha família poderia dar. Coisas que eu daria a ele."
Então, ela lançou o golpe final.
"E essa sua arte?", disse Ana Clara, com um riso de escárnio, gesticulando para as telas de Maria Eduarda. "Essa sua 'sensibilidade'? É isso que você acha que te torna especial?"
Seu rosto se contorceu em uma expressão de pura maldade.
"Pedro me contou sobre seu verdadeiro dom. Aquele que você mal sabe usar. Aquela empatia estranha, aquela capacidade de sentir o mar, de acalmar as ondas... Ele achava que era uma maldição. Mas eu sei o que é. É poder. E esse poder deveria ser meu."
Antes que Maria Eduarda pudesse reagir, Ana Clara agiu. Com um movimento rápido e brutal, ela agarrou os pulsos de Maria Eduarda. Uma energia fria e cortante fluiu de suas mãos. Maria Eduarda sentiu uma dor excruciante, não em seus braços, mas em sua alma.
Foi como se uma parte essencial dela estivesse sendo arrancada, sugada para fora. Sua conexão com o mar, sua intuição artística, a sensibilidade que definia quem ela era... tudo se desvanecia em uma agonia indescritível.
Ela gritou, um som rouco de dor e perda, e desabou no chão, inconsciente.
A última coisa que viu foi o sorriso vitorioso de Ana Clara, a ladra de sua vida, de seu amor e, agora, de sua própria essência.