Ele estava mentindo. Mentindo na frente de toda a comunidade, na frente dela. Ele estava ativamente participando da destruição dela para proteger sua nova família. Cada palavra dele era um prego no caixão da verdade, um testemunho falso que selava o destino dela. A traição agora não era apenas passiva, era um ato deliberado de perjúrio.
Ana Clara, sentindo-se fortalecida pelo apoio de Pedro, deu mais um passo. Com um gesto sutil, ela invocou uma pequena parte do poder que havia roubado de Maria Eduarda – uma brisa suave e perfumada que encheu o salão, um truque barato para impressionar a todos. A multidão ofegou, maravilhada.
"Vejam", disse Pedro. "O dom a aceitou. Ele floresce com ela. Com Maria Eduarda, era apenas uma fonte de instabilidade."
Era uma demonstração de poder que pertencia a Maria Eduarda, agora usada contra ela como arma de propaganda.
Oprimida, Maria Eduarda sentiu sua mente recuar para uma memória. O dia em que Pedro a pediu em casamento, naquela mesma praia. Ele tinha feito um anel de conchas, simples e imperfeito. Ele falou sobre o futuro, sobre filhos, sobre envelhecerem juntos. Na época, ela viu aquilo como o auge do romance. Agora, olhando para trás, ela via a verdade. Não havia a profundidade, a conexão verdadeira que ela sentia por ele. As palavras dele eram bonitas, mas ocas. Ele estava apaixonado pela ideia dela, pela pureza que ela representava, mas nunca a amou de verdade, não a alma dela. A percepção tardia foi uma dor surda e profunda, a tristeza por um amor que nunca existiu de fato.
Mais tarde naquela noite, Pedro foi até o ateliê. A fúria pública havia desaparecido, substituída por uma súplica cansada e egoísta.
"Maria Eduarda, por favor" , ele começou, sem olhá-la nos olhos. "Aceite a culpa. Diga que você atacou Ana Clara. Se você fizer isso, eu prometo que a punição será leve. Eu posso convencer a família dela a ser misericordiosa."
Ela o encarou, incrédula.
"Você quer que eu minta? Que eu assuma a culpa por um crime que ela cometeu contra mim?"
"É para proteger a Ana!" , ele disse, a voz subindo em desespero. "Ela está grávida, é delicada. Um escândalo como esse, a pressão de um ritual... pode prejudicar o bebê. Nosso filho. Você não entende?"
Ele estava pedindo a ela que se sacrificasse no altar da felicidade dele. Ele estava usando a moralidade, a compaixão dela, como uma arma para manipulá-la. A falta de vergonha dele era abissal.
"Não" , ela respondeu, a voz firme, apesar da fraqueza que sentia. "Nunca."
No dia seguinte, o veredito foi anunciado. Sem o Ritual da Verdade, e com o testemunho de Pedro, a decisão foi unânime.
Maria Eduarda foi considerada culpada de agressão e comportamento desonroso.
Sua punição foi severa. Ela foi formalmente rebaixada na hierarquia da comunidade, perdendo todos os privilégios e o respeito que um dia teve. Foi sentenciada a uma semana de exposição pública na praça central – uma forma de humilhação onde ela teria que ficar sentada em um banco, para que todos pudessem vê-la e julgá-la – seguida pelo exílio. Ela seria expulsa da comunidade, da única casa que conhecera.
No mesmo dia, Ana Clara foi elevada. O conselho, em um gesto de "reparação" , concedeu-lhe o status que antes pertencera a Maria Eduarda. E, como insulto final, deram a ela a posse da casa de praia que Pedro e Maria Eduarda haviam construído juntos. O lar dos sonhos dela agora pertencia à sua algoz.
A semana de humilhação pública começou. Sentada no banco na praça, Maria Eduarda suportou os olhares, os sussurros, os insultos. Mas em meio à crueldade, houve um ponto de luz. Sua amiga leal, a mesma que Ana Clara havia empurrado, ficou ao seu lado. Todos os dias, ela trazia água e comida, e sentava-se em silêncio a uma pequena distância, uma presença constante e desafiadora. Sua lealdade era um bálsamo na ferida aberta da traição.
Naqueles longos dias de silêncio e vergonha, Maria Eduarda teve tempo para pensar. Ela repassou cada momento de sua vida com Pedro. O amor que ela dera, a confiança cega, o apoio incondicional. E o que recebera em troca? Mentiras, manipulação e abandono. Ela percebeu a profundidade de quão usada fora. Ele não queria uma parceira, queria um símbolo de pureza ao seu lado. E quando esse símbolo se tornou inconveniente, ele o descartou pela nova musa que lhe oferecia poder e status. A clareza não trouxe paz, mas uma raiva fria e lúcida. A tristeza estava dando lugar a uma determinação forjada no fogo da injustiça.
No último dia de sua punição, pouco antes de ser exilada, Ana Clara apareceu. Ela não veio sozinha, mas com uma comitiva, como a realeza visitando um plebeu.
Ela parou na frente de Maria Eduarda, que ainda estava sentada no banco da vergonha.
"Ouvi dizer que você estava rascunhando uns papéis no outro dia" , disse Ana Clara, com um sorriso venenoso. "Acho que era um documento de divórcio, ou algo parecido. Vim buscá-lo. Já que você está sendo expulsa, é melhor oficializar as coisas. Pedro precisa estar livre para se casar comigo."
Ela estava ali para a estocada final. Não bastava tirar seu amor, sua casa, seu dom e sua honra. Ela queria o documento formal de sua derrota, o símbolo de sua completa e total aniquilação.