Quando Maria Eduarda finalmente recuperou a consciência, a primeira coisa que viu foi o rosto de Pedro, não com preocupação, mas com uma fúria fria.
"O que você fez com ela?" , ele acusou, sua voz dura como pedra. "Você a atacou? Com seu ciúme doentio, você colocou nosso filho em risco!"
"Eu... eu não fiz nada..." , gaguejou Maria Eduarda, a fraqueza tomando conta de seu corpo. "Foi ela... ela me atacou... ela roubou..."
"Roubou o quê? Sua imaginação fértil?" , ele a interrompeu com desprezo. "Ana Clara está grávida, fragilizada. E você, com essa sua instabilidade, a agride. Você não tem vergonha?"
Ele a sentenciou ali mesmo, sem julgamento, sem ouvir seu lado. Para ele, a culpada já estava decidida. E a punição veio em seguida.
"Você vai ficar aqui. Trancada neste ateliê. Até aprender a se comportar. Não quero que chegue perto de Ana Clara nunca mais."
Maria Eduarda tentou falar sobre o que Ana Clara havia roubado, sobre aquela parte vital de sua alma que fora arrancada, mas as palavras não saíam. Era uma perda tão profunda, tão abstrata, que ela não sabia como explicar. Era como tentar descrever a ausência de uma cor.
"Meu dom... ela o levou..." , ela sussurrou, a voz fraca.
Pedro riu, um som sem humor. "Seu 'dom' ? Essa sua sensibilidade excessiva que sempre te tornou tão fraca? Talvez seja bom que você a tenha perdido. Talvez assim você se torne uma pessoa normal."
Ele se virou para sair, mas parou na porta.
"Apesar de tudo isso, eu não vou te abandonar. Vou manter nossa relação, nosso compromisso. Vou cuidar de você, como uma obrigação."
As palavras eram um ato de caridade humilhante. Ele não estava oferecendo amor ou apoio, mas uma esmola, uma forma de manter as aparências enquanto seu coração e sua lealdade estavam com outra.
Nos dias que se seguiram, o ateliê se tornou uma prisão. Os boatos do lado de fora se transformaram em verdades aceitas pela comunidade. A história que circulava era a de que Maria Eduarda, em um acesso de ciúmes, havia atacado a pobre e indefesa Ana Clara.
"Ela é descontrolada."
"Dizem que ela sempre foi meio estranha, com aquelas pinturas esquisitas."
"Pedro é um santo por ainda aguentá-la."
A reputação de Maria Eduarda foi sistematicamente destruída. De vítima, ela foi transformada em vilã. A narrativa de Ana Clara havia vencido.
A humilhação final veio na forma de uma intimação. Ela foi convocada perante o conselho da comunidade, uma espécie de tribunal informal liderado pelos anciãos e figuras influentes, muitos deles agora sob o controle da família de Ana Clara. Era para ser um julgamento público sobre sua "agressão" .
Fraca e deprimida, Maria Eduarda mal conseguia se manter em pé. A perda de sua essência a deixara esgotada, uma casca vazia. O esforço para caminhar até o local da reunião, um salão comunitário lotado, quase a consumiu por completo.
No meio do salão, sob os olhares acusadores de todos, suas pernas cederam. A energia que a mantinha de pé simplesmente desapareceu. Ela caiu de joelhos, não conseguindo mais sustentar sua forma humana com a mesma firmeza de antes. Por um instante, uma imagem etérea, quase fantasmagórica, tremeluziu ao seu redor, um eco do poder que ela havia perdido. Era uma visão que apenas os mais sensíveis podiam perceber, mas para todos os outros, era apenas uma mulher fraca e patética desabando.
O murmúrio da multidão foi de escárnio e pena. A humilhação de sua fraqueza física era agora pública.
Pedro estava lá, sentado ao lado de Ana Clara. Quando Maria Eduarda caiu, ele não fez menção de ajudá-la. Em vez disso, ele se levantou para defender Ana Clara, que fingia estar assustada.
"Vejam! Ela é instável! Não é seguro para Ana Clara ficar perto dela!" , ele declarou à assembleia, reforçando a mentira. Seu ato de proteção pública a Ana Clara era uma facada final no coração de Maria Eduarda.
Ana Clara, então, tomou a palavra. Com lágrimas de crocodilo escorrendo pelo rosto, ela contou sua versão dos fatos.
"Eu só queria conversar com ela, entender..." , ela soluçava. "Mas ela ficou furiosa. Falou coisas horríveis sobre meu bebê. Ela me atacou, e em sua raiva, disse que não queria mais seu dom, que era um fardo. Ela mesma o renunciou, o entregou para mim, como se quisesse se livrar dele."
A mentira era tão descarada, tão perversa, que deixou Maria Eduarda sem fôlego. Ana Clara não apenas roubou seu dom, mas agora afirmava que fora um presente, uma renúncia voluntária de uma mulher desequilibrada.
Um fogo há muito apagado se acendeu dentro de Maria Eduarda. A injustiça era grande demais para ser suportada em silêncio. Reunindo o pouco de força que lhe restava, ela se levantou, apoiando-se em uma cadeira.
"É mentira!" , sua voz saiu mais forte do que esperava, silenciando o salão.
Todos os olhos se viraram para ela.
"Ela me atacou. Ela roubou meu dom à força. Isso não é algo que se possa 'dar' . É parte de mim! E eu exijo que os anciãos verifiquem. Existe uma maneira. Usem o Ritual da Verdade. Ele mostrará o que realmente aconteceu!"
Um silêncio chocado tomou conta do lugar. O Ritual da Verdade era uma prática antiga, raramente usada, que podia expor a essência de uma pessoa e a verdade de suas ações. Era um pedido audacioso, um desafio direto não apenas a Ana Clara, mas a todo o sistema que a estava condenando.
Por um momento, uma centelha de esperança brilhou. A verdade poderia vir à tona.