Quando o Fado Se Cala: Uma Alma Rejeitada
img img Quando o Fado Se Cala: Uma Alma Rejeitada img Capítulo 3
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Capítulo 3

A humilhação continuou. Os amigos da Vanessa, sentindo-se encorajados pela minha passividade, tornaram-se mais cruéis.

"Ele é tão estranho," disse uma rapariga, alto o suficiente para eu ouvir. "Sempre a olhar para a Vanessa como um cachorrinho perdido. É assustador."

"A Vanessa devia ter posto um travão nisto há anos," concordou outro. "Ele é um incómodo."

Olhei para a Vanessa, esperando ver um pingo de remorso, um sinal de que ela iria parar com aquilo. Mas não vi nada. Ela estava a rir, a desfrutar da atenção, a desfrutar da minha dor. Naquele momento, percebi que a Vanessa que eu amava nunca tinha existido. Era uma idealização, uma fantasia criada por um rapazinho solitário. A mulher à minha frente era uma estranha, uma pessoa fria e egoísta.

Ela virou-se para o Hugo e beijou-o apaixonadamente, um espetáculo deliberado para o meu benefício. A dor no meu peito intensificou-se. Eu tinha de sair dali.

Virei-me para ir embora, mas o Hugo seguiu-me. Afastámo-nos da multidão, para perto de uma área de armazenamento onde barris de vinho decorativos estavam empilhados.

"A sério, miúdo," disse o Hugo, a sua voz agora com um tom de curiosidade. "O que é que ela te disse exatamente há seis anos? Ela parece pensar que te deve alguma coisa."

Antes que eu pudesse responder, ouvi um som agudo, um estalar de metal. Olhei para cima e vi um dos pesados barris de vinho, suspenso do teto por correntes como decoração, a soltar-se. Estava a cair diretamente sobre nós.

Tudo aconteceu numa fração de segundo. A Vanessa, que nos tinha seguido, gritou. O seu instinto foi imediato e revelador. Ela não olhou para mim. Ela atirou-se ao Hugo, empurrando-o para fora do caminho com uma força desesperada.

Eu não tive tempo de reagir. O barril atingiu-me. Não senti a dor de imediato, apenas o impacto esmagador e o som horrível de ossos a partir. Caí no chão, a minha mão esquerda, a minha mão dos acordes, presa debaixo do peso do barril. O mundo ficou escuro.

Acordei num quarto de hospital. A primeira coisa que vi foi o rosto preocupado da Nicole.

"Jacob," disse ela, a sua voz a tremer. "Graças a Deus."

Tentei mexer a minha mão esquerda, mas uma dor lancinante percorreu o meu braço. Olhei para baixo e vi-a, envolta em gesso e ligaduras.

"A tua mão..." começou a Nicole, mas não conseguiu terminar. As lágrimas encheram-lhe os olhos. "Os médicos dizem que a lesão é grave. Os nervos... eles não sabem se vais conseguir tocar guitarra outra vez."

As palavras dela atingiram-me com mais força do que o barril. A minha música. Era tudo o que eu tinha.

"E a Vanessa?" perguntei eu, a minha voz um sussurro rouco.

A expressão da Nicole endureceu. "Ela nem sequer perguntou por ti. Ela só queria saber se o Hugo estava bem. Ele nem um arranhão teve."

A confirmação foi como um murro no estômago. Ela tinha-o salvo. E tinha-me deixado para ser esmagado. A realidade da sua escolha era inegável.

Naquele momento, toda a esperança residual que eu pudesse ter, morreu. A farsa, a promessa, o amor... tudo se desfez em pó.

"Nicole," disse eu, a minha voz agora firme, apesar da dor. "Liga à companhia aérea. Confirma o meu voo para o Rio. Eu vou sair deste país assim que tiver alta."

A minha decisão estava tomada. Não havia mais nada que me prendesse a Lisboa, nada que me prendesse a ela. A minha vida como eu a conhecia tinha acabado. Era hora de começar de novo, mesmo que estivesse em pedaços.

            
            

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