"A Sofia quer ir ver os fogos de artifício sobre o Tejo esta noite. É um evento de caridade. Vens connosco." Não era um convite, era uma ordem.
Uma pequena e estúpida chama de esperança acendeu-se dentro de mim, mas apaguei-a imediatamente. Ele não estava a convidar-me. Estava a levar-me. Quando cheguei ao carro, a minha desilusão foi confirmada. Sofia já lá estava, sentada no lugar da frente, ao lado dele. Usava um vestido deslumbrante e um colar de diamantes que brilhava mesmo na penumbra.
"Olá, Juliette" , disse ela, com um sorriso que não chegava aos olhos. "O Ben disse-me que gostas muito de fogos de artifício. Pensei que seria simpático convidar-te."
Senti-me como um acessório, uma peça de caridade. Fui colocada no banco de trás, sozinha. Durante o trajeto, observei-os. Ele colocava a mão na perna dela, sussurrava-lhe coisas ao ouvido que a faziam rir. Eram um casal. Pareciam perfeitos juntos, vindos do mesmo mundo, falando a mesma língua de privilégio e poder.
Eu era a estranha, a peça que não encaixava. A cada gesto de carinho entre eles, uma memória dolorosa vinha à tona. Lembrei-me de como o Ben, o meu Ben, costumava segurar a minha mão enquanto caminhávamos pelas vinhas. Lembrei-me de como ele me dizia que o meu riso era a sua música favorita. Aquele Ben estava morto. O homem no banco da frente era um fantasma que usava o seu rosto.
A dor era tão intensa que parecia física. Eu não estava apenas a perder o homem que amava; estava a perder a versão de mim mesma que tinha existido com ele. Aquela Juliette, feliz e ingénua, tinha desaparecido para sempre.
O evento era num terraço luxuoso com vista para o rio. Fomos a uma loja de joias de luxo que patrocinava o evento. Enquanto Benjamin e Sofia eram recebidos como realeza, eu fiquei para trás. Uma vendedora arrogante aproximou-se de mim.
"A entrada de serviço é pelos fundos" , disse ela, olhando-me de cima a baixo com desdém. O meu vestido simples, comprado numa loja local no Douro, era um farrapo comparado com as roupas de alta-costura que me rodeavam.
Corei de vergonha. "Eu não sou uma empregada. Estou com eles."
A vendedora riu-se. "Com eles? Não me faça rir."
Benjamin ouviu a confusão e aproximou-se. Mas em vez de me defender, ele simplesmente deu uma explicação superficial à vendedora. "Ela está connosco. É uma... amiga de família do campo."
"Amiga de família do campo." As palavras ecoaram na minha cabeça, cada uma delas uma pequena facada. Ele nem sequer conseguia dizer o meu nome.
Mais tarde, no terraço, o espetáculo começou. Benjamin tinha organizado tudo para Sofia. Quando os fogos de artifício explodiram no céu em cores vibrantes, ela aplaudiu de alegria, virando-se para o beijar.
"Oh, Ben, é maravilhoso! Nunca ninguém fez algo assim por mim!"
Eu fiquei paralisada. Lembrei-me de uma noite no Douro, durante as festas da aldeia. Ben tinha-me levado para o cimo de uma colina para ver os modestos fogos de artifício locais. Ele abraçou-me por trás e sussurrou: "Um dia, Juliette, vou dar-te um espetáculo de fogos de artifício que vai iluminar o mundo inteiro, só para ti."
Outra promessa quebrada. Outra memória roubada e oferecida a outra pessoa. Senti as lágrimas a quererem sair, mas engoli-as. Não lhes daria essa satisfação.
A multidão começou a empurrar para conseguir uma vista melhor. Eu estava perto da beira do terraço. De repente, um empurrão mais forte vindo de trás desequilibrou-me. Ao mesmo tempo, Sofia, que estava ao meu lado, também tropeçou.
Por uma fração de segundo, os nossos olhos encontraram-se no pânico. Depois, caímos as duas. O som dos gritos misturou-se com o barulho dos fogos de artifício enquanto a água fria e escura do Tejo nos engolia.