Forcei os olhos a se abrirem, a visão embaçada lutando contra a luz fraca de uma lâmpada no teto. O quarto era luxuoso, com paredes de madeira polida, uma cama king size onde eu estava deitada, um espelho grande em uma das paredes e uma porta pesada, provavelmente trancada. Nada de janelas, só uma ventilação zumbindo no teto. Meu coração disparou, o pânico subindo como uma onda gelada. Isso não era um quarto de hotel. Era uma cela disfarçada de riqueza.
- Alice? Jenny? - chamei com a voz saindo quase como um sussurro. Minha mão encontrou um corpo ao lado, e eu sacudi com cuidado. - Acordem, por favor.
Alice gemeu abrindo os olhos lentamente, o rosto pálido e confuso tanto quanto eu imaginava que o meu estava.
- Becca? - ela murmurou, sentando-se com dificuldade e com a mão na cabeça. - Onde... onde estamos? Minha cabeça está explodindo.
Jenny se mexeu do outro lado, piscando, ainda com resquícios da droga nos olhos.
- Becca? Alice? - perguntou, esfregando as têmporas. - O que aconteceu? A gente estava na boate, e aquele cara e... a bebida...
- Ele nos drogou - respondi, a voz tremendo enquanto me sentava, o quarto girando por um instante antes de se estabilizar. - Lembra? A moleza, o sono que veio do nada. Ele nos trouxe aqui.
- Nós fomos sequestradas! - Jenny afirmou, colocando em voz alta o que eu sabia dentro de mim, mas tinha medo de falar.
Alice se levantou, mas tropeçou sem muita força nas pernas, caindo de volta na cama.
- Sequestro? - repetiu, a voz subindo em pânico. - Meu Deus, Becca, o que eles querem? Não temos nenhum dinheiro...
Ela não precisou terminar a frase para que todas nós entendêssemos do que aquilo se tratava.
Eu me arrastei até a porta, me segurando nas paredes com aquelas pernas trêmulas, e puxei a maçaneta, só para descobrir que estava trancada, como esperado. Mas eu não me dei por vencida e bati com os punhos, fazendo o som ecoar no quarto vazio.
- Ei! Alguém aí! Deixa a gente sair! - gritei mesmo com a voz falhando. Mas só encontrei silêncio. Apenas o zumbido da ventilação.
Jenny logo se juntou a mim, fechando a mão e batendo com mais força contra a porta.
- Vocês não podem fazer isso! - berrou. - Soltem a gente agora!
Alice se encolheu na cama, abraçando os joelhos, com as mãos tremendo e os olhos cheios de lágrimas.
- E se ninguém nos encontrar? - perguntou, a voz quebrada. - Alguém... Alguém vai notar que sumimos, não é? Meu pai, ou no trabalho, nossos amigos? Mas e se for tarde demais?
Eu parei de bater sentindo o pânico se alastrando por cada pedacinho do meu corpo, me sufocando no processo. Meu coração estava disparado e a vontade de abraçar as duas e chorar era grande, mas forcei minha mente a pensar em algo que pudesse nos ajudar.
- Vamos nos acalmar - falei voltando para a cama. - Somos nós três. Sempre fomos. Vamos achar uma saída. Primeiro, as bolsas, nossos celulares, precisamos achar qualquer coisa.
Revistamos todas as bolsas jogadas no canto e mesmo nas nossas não encontramos nada. Nada de telefones, passaportes ou carteiras. Só maquiagem, um pacote de balas e uma garrafa de água que parecia nova.
- Eles tiraram tudo - murmurou Jenny, a voz cheia de raiva. - Estamos presas aqui e sem nossas identidades, sem nada.
Antes que pudéssemos dizer mais, a porta se abriu com um clique, e uma mulher entrou, empurrando uma arara cheia de vestidos brilhantes. Ela era jovem, talvez uns vinte e cinco anos, o rosto coberto de maquiagem pesada, o vestido curto preto cheio de brilho, como se tivesse saído de uma passarela.
Um homem a empurrou para dentro, fechando a porta com um estrondo antes que pudéssemos reagir. Corremos até ela, voltando ao presente, e sentindo o desespero vencer o medo.
- Por favor, nos ajuda! - implorei, agarrando o braço dela. - Fomos sequestradas, drogadas! Precisamos sair daqui!
A mulher se soltou de mim com um olhar frio, mas havia ao menos um pouco de compaixão no olhar dela.
- Bem-vindas a suas novas vidas. Não tem o que fazer - ela disse com um tom de deboche e a voz baixa, quase mecânica. - Vocês estão em um leilão. Uma rede de tráfico humano, poderosa. Ninguém derruba eles. Juízes, promotores, senadores... eles frequentam esses leilões. Ninguém os toca.
As palavras dela caíram como pedras sobre mim, e eu senti o chão sumir. Alice soluçou, caindo de volta na cama com as lágrimas escorrendo.
- Um leilão? - Jenny gritou, colocando as mãos entre os fios quase pronta para arrancá-los. - Eles vão nos vender? Como gado?
- Isso é loucura! - berrei sem conseguir acreditar - Não podem fazer isso!
- Meus pais... eles vão procurar a polícia quando eu não aparecer. - Jenny gaguejou entre as lágrimas, parecendo ainda mais perdida, mas tudo o que conseguiu foi fazer a mulher na nossa frente rir, um som seco e amargo.
- Polícia? Metade deles está comprada. Vocês não estão no Brasil mais. - ela disse nos chocando. - E até descobrirem para onde trouxeram vocês já será tarde, o leilão é amanhã e podem ser compradas por qualquer um e levadas para qualquer lugar no mundo. Se querem uma chance, saiam lá fora bem vestidas, maquiadas, com um olhar sensual, a ponto de conquistarem alguém com dinheiro que não queriam comprá-las apenas por uma noite. E seria bom que não fosse um velho asqueroso. Senão, vão acabar na rua, trabalhando como prostitutas.
Eu me sentei sentindo as pernas cederem enquanto o pavor me engolia, medo que estava prestes a acontecer
- Como você sabe disso? - perguntei, a voz tremendo. - Quem é você?
- Me chamo Lara - respondeu, os olhos desviando para o chão. - Fui como vocês, há dois anos. Não fui escolhida no leilão. Agora... trabalho pra eles, faço o que mandam e ando na linha. É assim ou morro.
- Isso é um pesadelo - Jenny se virou, com os olhos cheios de raiva e lágrimas. - A gente estava só comemorando seu aniversário, Alice. Como isso aconteceu?
Eu abracei as duas, sentindo o peso daquela realidade horrível onde tinhamos sido jogadas. Nós crescemos juntas, elas estiveram lá por mim em cada aniversário, na perda dos meus pais, nós apoiamos umas as outras desde sempre. Não seria diferente agora, estávamos unidas e conseguiríamos passar por todas as dificuldades.
- Nós vamos sair disso - afirmei com a voz falhando, mas me mantendo firme. - Vamos fazer o que ela disse. Nos arrumar, sermos escolhidas por alguém rico, alguém que não pareça um monstro. E na primeira chance, fugimos e procuramos ajuda umas para as outras. Não vamos desistir até estarmos juntas novamente!
- Tem razão - Jenny disse enxugando as lágrimas, apertando a mandíbula. - Vamos jogar o jogo deles, mas só até termos uma chance. Laram, nos diga o que temos que fazer pra sermos escolhidas por alguém de alto nível? Alguém que não seja um velho nojento?
Lara hesitou, olhando para a arara de vestidos e voltando o rosto para nós, parecendo incerta do que dizer.
- Eles querem virgens. Garotas intocadas rendem mais, homens ricos pagam uma fortuna por isso. Se vocês forem... digam antes do leilão, vai atrair os melhores lances.
Nós três nos entreolhamos, o silêncio pesado entre nós. O pacto idiota da adolescência, aquele juramento bobo de só nos entregarmos aos vinte um anos para o "amor da nossa vida". Nunca pensamos que seria uma vantagem. Eu nunca estive com ninguém, nem Alice, ou Jenny. Não por falta de oportunidade, mas porque nunca encontramos alguém que valesse a pena. E agora, isso poderia nos salvar de um futuro pior do que onde já estávamos enfiadas.
- Então estamos com sorte - murmurei, tentando soar confiante, mas o medo ainda me corroía. - Somos virgens. Todas nós.
Lara arregalou os olhos com um brilho de surpresa e sorriu.
- Vocês têm sorte mesmo ao menos nisso. - disse, quase aliviada. - Isso vai atrair os grandes. Homens com dinheiro, poder. Mas cuidado. Alguns são piores que os velhos, escolham bem para quem olhar e tentem seduzi-los de alguma forma, se puderem.
Alice enxugou o rosto, parecendo sentir a raiva voltando com força total.
- Vamos fazer isso - falou com a voz firme apesar das lágrimas. - Vamos nos arrumar, parecer perfeitas, e sair daqui para termos a chance de fugir e ajudar você também Lara.
O sorriso de Lara morreu e ela apenas sacudiu a cabeça em negação, como se não acreditasse nisso. Jenny assentiu, pegando um vestido da arara, um tom de azul que brilhava sob a luz.
- Vamos ser as melhores do leilão - disse, a voz cheia de determinação. - E quando estivermos fora, vamos nos encontrar. Não importa o que aconteça.
Nós passamos a noite escolhendo vestidos, forçando a comida que Lara trouxe para manter a força, e planejando em sussurros. Cada uma de nós pegou um vestido que combinava perfeitamente com nosso corpo, valorizando nossas curvas e nos deixando sexy. Eu escolhi um prateado que abraçava o corpo; Alice, um verde que destacava seus cabelos; Jenny, o azul que parecia feito para ela. Lara nos observava, às vezes dando dicas, mas seus olhos carregavam uma tristeza que me assombrava. Ela já tinha desistido. Nós não.