O CEO E A ÓRFÃ BILIONÁRIA
img img O CEO E A ÓRFÃ BILIONÁRIA img Capítulo 4 A NETA PERDIDA
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Capítulo 6 O PRIMEIRO DIA img
Capítulo 7 BOM SENSO img
Capítulo 8 O HOMEM DA NOITE PASSADA img
Capítulo 9 INSOLENTE img
Capítulo 10 SECRETARIA img
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Capítulo 4 A NETA PERDIDA

ROBERTO NARRANDO

Eu nunca fui de confiar em muita gente, mas desde aquele dia... desde aquele maldito dia na igreja, eu aprendi que até o sangue pode ser venenoso.

A família do meu tio sempre foi uma pedra no meu sapato. Eles achavam que a empresa era herança garantida para o filho dele, o tal do César. Mas quando meu avô morreu e o testamento foi lido, quem herdou o comando fui eu. E não foi por favoritismo. Eu estava pronto , mesmo não tendo o sangue da família correndo nas veias. Já trabalhava duro desde cedo, enquanto César só sabia torrar dinheiro e se meter em confusão.

A escolha do meu avô acendeu uma chama de ódio neles que nunca apagou.

Na época, eu tinha quinze anos. Moleque, mas já acostumado com responsabilidade. Minha mãe dizia que eu era mais velho na cabeça do que no corpo, e talvez fosse verdade. A vida me obrigou a crescer rápido.

Lembro que minha tia, a esposa do meu tio apareceu em casa numa manhã, toda educada, sorriso falso, dizendo que precisava de ajuda. Queria que eu a acompanhasse até a igreja para pagar uma reserva ao padre. Na hora, não desconfiei. Ela sempre teve um jeito meloso, mas no fundo frio.

Aceitei.

A igreja ficava no centro do pequeno interior .

O dia estava abafado, e o sol refletia no piso de pedra da praça, quase cegando a gente. O cheiro de incenso misturado com poeira invadia o ar.

Fizemos o que ela queria, falei com o padre, ajudei a carregar umas caixas de velas para a sacristia. Quando terminei, ela me ofereceu um copo de água.

Era um simples copo transparente, mas gelado o suficiente para dar vontade. Eu estava suado, com sede, e bebi sem pensar duas vezes.

Uns minutos depois, comecei a sentir o gosto estranho na boca. Não era só o gosto era como se minha garganta queimasse, minha respiração ficasse pesada. Meu coração acelerou, as mãos tremeram.

Olhei para a minha tia, e por um instante, vi nos olhos dela algo que nunca vou esquecer: satisfação.

Ela não se moveu para me ajudar. Não perguntou se eu estava bem. Só ficou parada, com aquele sorriso discreto, como se estivesse esperando algo.

Eu tentei me apoiar em um banco, mas minhas pernas fraquejaram. O chão parecia girar.

Não me lembro exatamente como fui parar naquele lugar entre o fogo , mas me lembro de um toque pequeno no meu ombro.

Era uma menina. Devia ter uns oito anos no máximo. Olhos grandes, assustados, mas determinados. Ela falou algo rápido, mas minha cabeça já estava pesada demais para entender. Só lembro de sentir o braço dela tentando me segurar e o calor das mãos pequenas no meu pulso. Foi quando vi.

Uma marca, pequena, quase imperceptível, no lado interno. Uma pinta, um detalhe que ficou gravado na minha mente como se fosse tatuagem.

Ela gritou por ajuda, e algum adulto veio correndo. Depois, lembro de flashback, gente falando alto, um gosto amargo na boca, luzes do hospital.

Fiquei internado por dois dias. O médico disse que, se eu tivesse demorado mais para receber atendimento, talvez não estivesse vivo. Foi "intoxicação grave por substância desconhecida". Palavras técnicas para dizer que alguém tentou me matar.

Na época, ninguém quis acusar minha tia diretamente. Meu pai preferiu "não criar escândalo". A história ficou abafada. Mas eu nunca esqueci o olhar dela. Nunca esqueci que foi naquela igreja que percebi até onde a minha família poderia ir para me tirar do caminho.

Desde então, passei a ver tudo com outros olhos. Quando meu avô morreu anos depois e deixou a empresa para mim, eu já sabia: eles não iam aceitar. E não aceitaram. César me odeia. Ele é incapaz de disfarçar. Vive tentando me derrubar, espalhando boatos, tentando me pintar como alguém incapaz. Já tentaram sabotar reuniões, roubar clientes, até falsificar documentos.

O problema é que comigo eles não jogam xadrez, eles jogam roleta russa. Sempre prontos para arriscar tudo, inclusive vidas, para conseguir o que querem.

Essa lembrança da igreja... ela volta de vez em quando, principalmente nos momentos de tensão. Eu me vejo lá, com quinze anos, suando frio, tentando respirar, e aquela criança lutando para me manter em pé. Nunca mais a vi. Não sei o nome dela.

Passei anos procurando, mas o único detalhe que tenho é aquela marca no pulso. Parece pouco, mas é o que ficou gravado. É a prova de que não foi alucinação, de que alguém realmente esteve lá e me salvou.

E por que isso importa tanto? Porque eu devo minha vida a ela. Porque, por mais que o tempo tenha passado, eu nunca esqueci o que é sentir a morte tão perto.

A cada vez que meus tios tentam mais uma jogada suja contra mim, eu lembro do gosto amargo na boca, do sorriso da minha tia, e do toque da menina.

Hoje, eu não bebo nada que não tenha visto abrir. Não aceito comida de estranhos, e às vezes nem de conhecidos. As pessoas acham que é mania, mas não é. É sobrevivência.

Eu aprendi cedo que confiança é como cristal: quebra uma vez, nunca mais volta a ser inteira.

O mais irônico é que, para o mundo, minha família parece perfeita. Empresários de respeito, frequentadores de missas, filantropos. Por trás, é só podridão maquiada.

César, então... Ele gosta de se vender como "o herdeiro legítimo", como se o sangue fosse currículo. Vive cercado de gente que só quer se aproveitar, mas não percebe, ou finge que não percebe. Ele acha que é jogador, mas no fundo é só peão. O problema é que, como todo peão disposto a virar rainha, ele é perigoso.

E eu? Eu sou o alvo. Sempre fui.

Por isso, nunca relaxo. Nem por um segundo.

Às vezes me pego imaginando como teria sido se aquela menina não estivesse lá naquele dia. Talvez minha tia tivesse conseguido o que queria. Talvez César fosse hoje o dono de tudo, e eu seria só uma lembrança em um retrato de família, com uma história triste para contar nas reuniões.

Mas ela estava lá. E eu estou aqui.

Isso muda tudo.

A porta da sala se abriu sem bater. Só uma pessoa tinha essa liberdade.

- Chefe... - era Mauro, meu braço direito há mais de uma década. Cara leal, de fala direta, o tipo que resolve sem fazer barulho. Ele fechou a porta atrás de si e veio andando até a minha mesa.

- Ainda sem novidades - Eu encostei no encosto da cadeira, respirando fundo.

- Define "sem novidades" - Ele suspirou, como quem já repetiu a mesma frase mil vezes.

- Não é fácil achar uma pessoa com base só numa maldita pinta no pulso esquerdo.

Meu maxilar travou.

- O padre disse que ela cresceu no orfanato. Já falei.. procure todos os orfanatos da cidade.

- Eu já fiz isso por anos, - Mauro rebateu, firme, mas sem arrogância. - Eu já vi a ficha de todas as meninas. Não existe registro de ninguém com essa marca de nascença. Nenhum. É como se ela nunca tivesse passado por lá.

Era isso que me corroía: a sensação de que alguém apagou ela do mapa. Não era questão de não achar... era questão de alguém ter feito questão de esconder. E, se esconderam, é porque havia algo grande.

O silêncio ficou pesado. Eu estava prestes a mandar ele tentar por outro caminho quando o telefone sobre a mesa vibrou. Olhei para o visor e franzi a testa.

- Fernanda... - murmurei.

Mauro deu um meio sorriso irônico.

- Vai atender? - Eu encarei a tela por uns segundos. Fernanda Mourão. Filha de uma das famílias mais influentes do estado. Linda, sim, mas o tipo de beleza que sabe que é moeda de troca. Fazia meses que ela me rondava, e não era só por interesse pessoal. Ela queria aliança. Queria um nome como o meu colado ao dela. Queria unir impérios. E, no fundo, sabia que minha posição atual poderia mudar muita coisa pros negócios da família dela.

- Não, deixa tocar, - falei, mas Mauro continuou me olhando com aquela cara de quem sabe mais do que deveria.

O toque cessou, e o silêncio voltou. Eu estava prestes a falar quando ouvi a voz que não ouvia com frequência, mas que sempre vinha com peso:

- Atenda da próxima vez - Levantei o olhar. Meu pai estava parado à porta. Não sabia há quanto tempo ele estava ali, mas seu jeito de entrar sem ser anunciado sempre foi um hábito irritante. Ele veio se aproximando, as mãos nas costas, e me lançou um olhar frio.

- Se você se casar com Fernanda Mourão, - ele disse, direto, - nem seus tios nem o César terão força suficiente pra tirar você da cadeira.

- E o senhor acha que eu vou me casar pra agradar os outros? - retruquei, sentindo o sangue esquentar.

- Eu acho que você vai se casar pra sobreviver. - Ele se inclinou sobre a mesa. - Não se engane, filho... depois do que aconteceu naquela igreja, depois de você ter escapado por pouco... eles não vão parar. Estão esperando só uma chance. E se você continuar sozinho, vai dar essa chance de bandeja.

Eu fiquei encarando ele, a raiva e a razão se misturando dentro de mim. Parte de mim sabia que ele tinha razão. A outra parte... queria quebrar a cara dele por achar que eu me venderia tão fácil.

Mauro permaneceu calado, mas eu sabia que ele estava ali absorvendo tudo. Ele conhecia a política dessa família melhor do que qualquer um. E sabia também que, desde o dia do envenenamento, eu dormia com um olho aberto.

Meu pai se endireitou, ajeitou o paletó.

- Pense nisso. Ou continue brincando de caçar fantasmas, como essa menina que você nunca vai encontrar.

A porta bateu atrás dele.

Eu fiquei ali, com a respiração pesada. A lembrança daquele veneno queimando minha garganta voltou como se fosse ontem. O cheiro da igreja, o gosto amargo, as mãos segurando meu corpo enquanto eu perdia o ar. O rosto dos meus tios, falsamente preocupados, como se não fossem eles os mesmos que assinaram a minha sentença de morte.

O telefone vibrou de novo. Fernanda.

Mauro me olhou, esperando minha decisão. Eu deixei tocar até cair na caixa postal.

- Continue procurando a menina, - falei, minha voz mais baixa, mas carregada de certeza. - E não me traga desculpas.

Ele assentiu, mas antes de sair, deixou no ar.

- Um dia, chefe... essa teimosia vai te salvar. Ou vai te matar.

Fiquei sozinho de novo. E, no fundo, sabia que ele tinha razão também.

Às vezes, quando o silêncio da noite pesa demais, lembro das últimas palavras do meu avô naquela sala escura, impregnada de cheiro de livros velhos e fumaça de charuto. Ele me fitou com aquele olhar que atravessava qualquer mentira e disse, num tom grave que nunca esqueci:

- Um dia, você vai ter que procurar por ela - Eu não entendi de imediato. Ele então falou da neta perdida, a herdeira legítima, afastada por culpa da própria família.

            
            

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