Este era um dos castigos favoritos de Cecília. Sempre que Alina fazia algo para desagradá-la, encontrava seus pertences no lixo. Era um lembrete de seu lugar, uma mensagem de que ela e suas coisas eram descartáveis.
Desta vez, no entanto, Alina apenas olhou para a pilha e sentiu uma estranha sensação de alívio.
Ótimo, ela pensou. Me poupa o trabalho de fazer as malas.
Ela voltou para seu quarto, exausta, e caiu em um sono profundo e sem sonhos.
Na manhã seguinte, ela acordou e teve que vestir o mesmo vestido simples do dia anterior. Era a única coisa que lhe restava.
Ela desceu para o café da manhã. Cecília estava à mesa, tomando seu chá, com um ar presunçoso no rosto.
"Oh, olhe", Cecília zombou, olhando para o vestido de Alina. "Ainda usando as roupas de ontem? Suponho que seja tudo o que você pode pagar. Algumas pessoas não têm vergonha."
Dante também estava lá, parecendo impaciente. "Alina, pegue minha pasta. E minha gravata, a azul. Tenho uma reunião cedo."
No passado, ela teria se apressado em obedecer, uma serva silenciosa e eficiente. Teria pego suas coisas, ajeitado sua gravata e entregado sua pasta com um sorriso esperançoso.
Desta vez, ela passou por ele sem uma palavra e serviu-se de um copo d'água.
Ele a encarou, estupefato. "Você não me ouviu?"
Alina tomou um gole lento de água, depois se virou para encará-lo. Seus olhos estavam frios e claros.
"Pegue você mesmo", disse ela.
A sala inteira ficou em silêncio. O queixo de Cecília caiu. Dante parecia que ela o havia esbofeteado.
"O que você acabou de me dizer?", ele exigiu, a voz perigosamente baixa.
"Eu disse, pegue você mesmo", Alina repetiu, a voz uniforme e calma. "Eu não sou sua empregada. E a partir de hoje, não sou mais uma moradora desta casa. Estou indo embora."
Ela colocou o copo na bancada e caminhou em direção à porta, ignorando seus rostos atônitos.
Seu destino era o pequeno alojamento dos funcionários nos fundos da propriedade, onde seu pai morava. O quarto dele era simples, mas limpo. Ele estava sentado em uma cadeira perto da janela, parecendo pálido.
Os saltos baratos que ela ainda usava apertavam seus pés a cada passo, uma dor aguda e lancinante que subia por sua perna. Ela estremeceu, a dor física um eco surdo da agonia em seu coração.
As palavras de Dante de ontem ecoavam em seus ouvidos: "Não se atreva a tentar me culpar com isso."
Todos os seus sacrifícios, todo o seu amor, reduzidos a uma mera chantagem emocional.
Quando chegou ao quarto de seu pai, a visão de sua forma frágil foi a rachadura final em sua compostura. As lágrimas que ela vinha segurando finalmente se libertaram.
Ela correu para ele, enterrando o rosto em seu colo, e soluçou.
"Pai... me desculpe", ela chorou, o corpo tremendo. "Sinto muito, muito mesmo."
O Sr. Rodrigues, um homem gentil com um coração fraco, acariciou seus cabelos suavemente. "Está tudo bem, Lina. Não é sua culpa. Você deveria ter ido embora há muito tempo."
"Nós vamos embora, pai", disse ela, olhando para ele, o rosto manchado de lágrimas. "Vamos embora hoje. Juntos."
"Bom", disse ele, um sorriso triste no rosto. "Essa é a minha garota."
Ela tomou a decisão naquele exato momento. Nunca mais poria os pés na mansão dos Monteiro.
Depois de se recompor, ela foi se despedir dos outros funcionários, as poucas pessoas que lhe mostraram bondade. Enquanto caminhava de volta pela casa principal, Cecília bloqueou seu caminho.
"Onde você pensa que vai?", Cecília gritou, o rosto contorcido de raiva. "Sua pirralha ingrata! Depois de tudo que fizemos por você!"
Alina a ignorou e tentou passar.
Cecília, em um acesso de fúria, a empurrou com força.
"Não se atreva a me dar as costas!"
Alina tropeçou, seu corpo fraco pelo esgotamento e pela turbulência emocional. O empurrão a fez cair no chão de mármore.
Ao cair, a parte de trás de seu vestido subiu, expondo sua pele.
Um suspiro coletivo percorreu a sala. Isabela, que observava de lado, soltou um grito agudo.
Descendo pelas costas de Alina, de sua omoplata até a cintura, havia uma cicatriz longa, irregular e feia. Era a cicatriz do enxerto de pele que ela havia se submetido secretamente para ajudar a curar as queimaduras nas costas de Dante após o acidente, uma doação que ele nunca soube.
Isabela apontou um dedo trêmulo. "O que é isso? É horrível!"
Dante, que havia seguido a comoção, encarou a cicatriz. Sua primeira reação, instintiva, foi de nojo. Ele recuou, dando um passo para trás, o rosto uma máscara de repulsa.
Ele puxou Isabela para trás dele, protegendo-a como se Alina fosse algum tipo de monstro.
Alina caiu no chão, o mármore frio chocando sua pele. Seu primeiro instinto foi puxar o vestido para baixo, para esconder a cicatriz, para esconder sua vergonha.
A voz cruel de Cecília cortou o ar. "Nojento! Ter uma coisa tão horrenda no corpo. Não é de se admirar que você não consiga encontrar um homem. Você está danificada."
Alina congelou. Ela parou de tentar se cobrir. Lentamente, levantou a cabeça e olhou para Dante.
Ela o observou proteger Isabela, viu a repulsa indisfarçável em seus olhos. Este era o homem que ela havia salvado, o homem por quem ela havia sacrificado seu corpo e seu futuro.
Sua voz tremeu quando ela perguntou: "Você também acha nojento, Dante?"
Ele não respondeu. Apenas segurou Isabela com mais força, seu silêncio uma confirmação mais alta que qualquer palavra.
"Tire-a de perto de mim", ele murmurou, os olhos fixos no rosto pálido de Isabela. "Ela está assustando a Isabela."
Um som, como vidro quebrando, ecoou na sala silenciosa. Era a risada de Alina. Começou como uma risada baixa e cresceu até se tornar um som selvagem e desesperado que era mais soluço do que risada.
Cinco anos. Cinco anos de devoção, de sacrifício, de amor. E tudo se resumia a isso. Ele olhou para ela, para a prova de seu sacrifício gravada em sua pele, e tudo o que sentiu foi nojo.
"Fora!", Cecília gritou, apontando para a porta. "Tire seu corpo nojento da minha casa!"
Caio Silva, um jovem segurança leal ao pai de Alina, deu um passo à frente. "Sra. Monteiro, essa cicatriz é porque..."
"Caio, pare", disse Alina, a voz subitamente calma. A risada havia morrido, deixando para trás uma quietude perturbadora.
Os olhos de Dante se estreitaram, vendo-a falar com outro homem. "Do que vocês dois estão cochichando? Caio, você está demitido! Fora!"
Ele caminhou até Alina, agarrando seu braço e a puxando para cima.
"Você esteve brincando comigo todo esse tempo, não é?", ele cuspiu, o rosto perto do dela. "É o seu novo truque? Tentar ganhar simpatia com alguma cicatriz velha?"
Ele a arrastou em direção ao seu pequeno quarto nos fundos da casa, seu aperto como ferro. A última gota de seu amor por ele virou pó.