Alina apenas o encarou, os olhos vazios. O homem à sua frente era um estranho. O Dante que ela amava, ou pensava que amava, nunca existiu.
"Enjoado?", ela perguntou, a voz um monotono morto.
Ele tentou beijá-la, um beijo violento e raivoso destinado a punir e possuir. Ela virou a cabeça, e seus lábios encontraram a parede fria.
Ela limpou o local em sua bochecha onde a saliva dele havia pousado, sua expressão de total repulsa.
"Não me toque", disse ela. "Você é sujo."
O quarto ficou em silêncio. Dante a encarou, o peito arfando. A palavra 'sujo' vinda dela, a garota que havia limpado seu corpo por cinco anos, foi como um golpe físico.
"O que você disse?", ele sussurrou, a voz tremendo de incredulidade.
"Eu disse que minhas palavras não importam mais, então não importa o que eu diga", ela respondeu, a voz vazia.
Desta vez, quando ele a alcançou, ela o desviou facilmente. Ele tropeçou, apoiando-se na parede. Por um momento, ele era o fraco, e ela era quem tinha todo o poder.
Ela viu a jaqueta que Caio fora forçado a tirar jogada em uma cadeira. Ela a pegou e vestiu, cobrindo seu vestido, cobrindo sua cicatriz.
Dante a observou, uma estranha confusão piscando em seus olhos. Ele viu suas costas esguias, a maneira como ela se movia com uma nova e desconhecida determinação.
"Alina", ele disse, a voz mais suave agora, incerta.
Ela não se virou. Caminhou até a porta e a abriu, sem nunca olhar para trás.
Assim que ela pisou no corredor, um grito frenético ecoou da casa principal. "O Sr. Rodrigues desmaiou! Alguém chame uma ambulância!"
O sangue de Alina gelou. "Pai!"
Ela esqueceu tudo - Dante, a humilhação, a dor. Correu, seus pés descalços batendo no chão frio, o coração martelando no peito.
Ela encontrou seu pai no chão de seu pequeno quarto, o rosto azul, a mão apertando o peito.
"Eu o levo!", ela gritou, pegando as chaves de um dos carros da família. "Vou levá-lo para o hospital!"
Ela correu em direção à garagem, mas Dante bloqueou seu caminho.
"Onde você pensa que vai?", ele exigiu.
"Meu pai está morrendo! Tenho que levá-lo para o hospital!", ela chorou, tentando passar por ele.
Ele arrancou as chaves da mão dela. "Isabela está tendo um ataque de pânico por sua causa e por causa daquela cicatriz nojenta. Ela está apavorada. Você precisa ir até ela, acalmá-la."
Alina o encarou, sua mente incapaz de processar suas palavras. "O quê? Meu pai está tendo um ataque cardíaco! Isabela está apenas assustada! Ele pode morrer!"
Os olhos de Dante caíram sobre a jaqueta masculina que ela usava. Seu rosto endureceu, todos os traços de preocupação desapareceram, substituídos por um ciúme frio.
"Isso não é problema meu", disse ele, a voz como gelo. "Ele é só um empregado. Isabela é minha prioridade. Os carros ficam aqui. Se você quiser levá-lo a um hospital, chame um táxi."
Ele virou as costas para ela, pegou uma Isabela trêmula e falsamente soluçante em seus braços e a levou para seu próprio quarto.
Alina ficou congelada por um segundo antes de correr para Cecília, que observava a cena com um sorriso presunçoso.
"Sra. Monteiro, por favor! As chaves! Meu pai precisa de um médico!"
"Por que eu deveria?", Cecília zombou, balançando um molho de chaves na frente do rosto de Alina. "Seu pai é velho. É a hora dele. Isabela é jovem e delicada. Ela precisa do meu filho."
Desesperada, Alina caiu de joelhos. "Por favor", ela implorou, lágrimas escorrendo por seu rosto. "Estou implorando. Por favor, salve a vida do meu pai."
Cecília riu, um som cruel e agudo. "Implorando? A filha de um empregado implorando para mim? Que apropriado."
Alina se lançou para as chaves, mas Cecília foi mais rápida. Ela as arrancou. Alina caiu para a frente, as mãos raspando na pedra áspera da varanda.
Com um sorriso final e malicioso, Cecília se virou e jogou as chaves. Elas voaram pelo ar em um arco prateado e caíram com um baque suave no meio da fonte decorativa no pátio.
Sem um segundo de hesitação, Alina se levantou e pulou na água fria e turva. A fonte estava cheia de lodo e algas, a água fétida e imunda. Ela mergulhou as mãos, procurando freneticamente pelas chaves na água escura.
Seus dedos se fecharam em torno delas. Ela saiu da fonte, encharcada e tremendo, o vestido coberto de lodo verde. Correu para o carro mais próximo, um sedã usado para recados.
Enquanto tentava encaixar a chave na fechadura, ouviu uma série de assobios altos e agudos.
Ela se virou e viu Cecília parada atrás do carro, uma faca na mão. Ela tinha acabado de cortar os quatro pneus.
"Indo a algum lugar?", Cecília perguntou, a voz escorrendo veneno.
Alina encarou os pneus murchos, sua esperança morrendo.
"Não...", ela sussurrou, o corpo tremendo. "Não, por favor..."
Uma empregada saiu correndo da casa, o rosto pálido de pânico. "Senhorita Alina! Seu pai... ele parou de respirar!"
Alina correu de volta para o lado de seu pai, a mente em branco de terror. Ela começou a reanimação cardiopulmonar, pressionando seu peito, soprando em sua boca, os movimentos automáticos dos cursos de primeiros socorros que fizera.
"Você está perdendo seu tempo", Cecília zombou da porta. "Ele já está morto."
Alina não ouviu. Continuou bombeando, continuou respirando, lágrimas e suor e água imunda da fonte pingando de seu rosto no peito imóvel de seu pai.
"Me desculpe, pai", ela soluçou. "Sinto muito. Eu deveria ter te tirado daqui mais cedo. Me desculpe."
Finalmente, ela ouviu o lamento distante de uma sirene. A ambulância estava aqui. Tarde demais. Era tudo tarde demais.