Deixei-o cair na lixeira, ao lado dos restos de uma roupinha de bebê triturada - um macacãozinho neutro que eu comprara num momento de frágil esperança após o aborto espontâneo; uma esperança que Ethan esmagara, talvez sem saber, talvez sabendo.
Meu pedido de demissão da Reed Innovate abalou a empresa.
Minha equipe, as pessoas que eu orientara e liderara, ligou, implorando que eu reconsiderasse.
Ava, a empresa precisa de você. O Ethan precisa de você.
Preciso descansar, eu disse a eles, com a voz suave, mas firme. "E de independência."
A libertação contida naquelas palavras era uma sensação inebriante.
Ethan finalmente tornou a ligar, a voz uma mistura de confusão e irritação.
Ava, que diabos está acontecendo?
Primeiro você pede demissão, e agora sua assistente me diz que você esvaziou o escritório.
É sério que você ainda está chateada por causa dos Hamptons? A Chloe estava mesmo doente.
Estou me preparando para o meu casamento, Ethan, eu disse, e a mentira fluiu com facilidade.
Deixei que ele acreditasse no que quisesse.
Ah. Certo, ele respondeu, parecendo distraído. "Bem, não demore muito."
Escuta, a Chloe não está achando o cobertor de cashmere preferido dela, aquele da Hermès. Sabe onde está?
Eu desliguei.
A total falta de sensibilidade dele era um escudo que eu não precisava mais transpor.
Uma semana depois, o Instagram de Chloe exibia uma nova postagem: uma selfie de biquinho com a legenda: "Meu herói @EthanReed está trabalhando demais. Saudades do nosso tempo juntos. #abandonada".
Era uma manipulação infantil e descarada, e por um instante senti algo parecido com pena de Ethan, um sentimento que logo se extinguiu.
A ligação seguinte, no entanto, não pôde ser ignorada com tanta facilidade.
Era Ben Carter, a voz carregada de urgência.
Ava. É o Ethan. Ele... Meu Deus, Ava, ele se feriu gravemente.
Ele estava protegendo a Chloe. Foi um ataque, parece que de um ex-funcionário insatisfeito dela.
Ele está no Lenox Hill. É grave.
Precisam de você. Seu tipo sanguíneo... de novo.
Uma risada amarga me escapou.
Meu sangue raro, um recurso a ser explorado quando bem entendessem.
E a Chloe?, perguntei, com a voz impassível.
Fugiu do local, disse Ben, o tom carregado de desprezo. "Disse que o estresse era demais para os 'nervos frágeis' dela."
Ele a protegeu, levou a pior.
Ava, por favor. Ele pode não resistir.
Meu corpo ainda se sentia fraco pela remoção do rim, da doação anterior.
A ideia de doar mais, de me esgotar ainda mais por ele, era repulsiva.
E, mesmo assim...
Estarei no próximo voo, ouvi a mim mesma dizer.
Certos hábitos, certos padrões de autossacrifício profundamente arraigados, custam a morrer.
O procedimento me deixou exausta, com a visão turva.
Enquanto me recuperava num pequeno quarto particular, ouvi a voz de Ethan vindo da suíte ao lado. O som chegava mais nítido do que deveria, pois a porta estava entreaberta.
Ele falava com Ben.
A Chloe... ela está bem? Deve estar apavorada.
A voz dele era fraca, mas a preocupação por ela, inconfundível.
Ela está bem, Ethan. A essa altura, já deve estar num avião para algum lugar ensolarado, imagino, disse Ben, sem um pingo de simpatia na voz.
Que bom. Ela precisa estar segura, murmurou Ethan.
A Ava... ela vai entender. Sempre entende.
Ela faria qualquer coisa por mim. Ela nunca me deixaria. Nunca.
Aquelas palavras, ditas com tanta certeza, ignorando por completo minha autonomia e minha dor, foram o golpe de misericórdia.
Qualquer resquício tolo de compaixão que ainda restava em mim se extinguiu no mesmo instante, substituído por uma raiva gélida.
Ele nunca entenderia. Ele nunca mudaria.
E eu nunca, jamais voltaria.
Desta vez, o rompimento era absoluto. Irreversível.