As feridas físicas de Kelsey começaram a cicatrizar. Os pontos em sua testa formavam uma linha tensa e raivosa. Os hematomas em seu corpo desbotaram de um roxo violento para um amarelo-esverdeado doentio. Mas as feridas internas continuavam abertas, supurando.
Depois de alguns dias vagando entorpecida pelo apartamento vazio, ela se forçou a sair. Acabou em um pequeno museu particular no Upper East Side, um lugar que ela e Bennett haviam descoberto juntos anos antes. Fora o santuário deles, um refúgio silencioso das exigências de suas vidas públicas.
Ela se lembrou de uma tarde chuvosa que passaram ali, aninhados em um banco em frente a um Monet. Ele a beijara, um beijo suave e demorado, e sussurrara: "Isto somos nós, Kels. Atemporais."
Agora, a memória era apenas mais uma mentira.
Ao virar uma esquina em direção à galeria impressionista, ela os viu. Bennett e Aria, parados diante do mesmo Monet. Não estavam em silêncio reverente. Eles riam. Aria se inclinava contra Bennett, com a cabeça apoiada em seu ombro. Pareciam jovens, despreocupados, como um casal de universitários apaixonados, não um CEO poderoso e sua barriga de aluguel.
Um casal de idosos próximo sorriu para eles. "Que belo casal", a mulher murmurou para o marido, alto o suficiente para Kelsey ouvir.
Aria sorriu, radiante, o rosto iluminado de orgulho. Virou-se para o casal. "Obrigada! Ele me mima demais", disse ela, dando um tapinha possessivo no peito de Bennett. Ela o apresentou não como seu empregador, nem como um amigo da família, mas como "meu Ben".
Bennett não a corrigiu. Apenas sorriu, um sorriso suave e indulgente que Kelsey não via há uma eternidade. Ele se inclinou e beijou o topo da cabeça de Aria.
Com você, me sinto jovem de novo, disse ele a Aria, a voz cheia de um calor genuíno que fez o sangue de Kelsey gelar. "Com você, me sinto... real. Não como se estivesse interpretando um papel."
Cada palavra foi um golpe de martelo no coração já despedaçado de Kelsey. Então era isso que a vida deles havia sido para ele: um papel. O marido dedicado, o CEO responsável. Com Aria, ele podia ser seu verdadeiro eu - despreocupado, apaixonado, vivo.
Kelsey entendeu então. A atração de Aria não era apenas sua juventude ou sua semelhança com ela. Era sua simplicidade. Ela era uma garota de um mundo diferente, sem o peso do nome Randolph, sem o trauma do passado da família dele. Ela era sua fuga.
Kelsey se virou para sair, o coração como um peso de chumbo no peito. Mas, ao contornar uma escultura, deu de cara com Aria, que estava a caminho do banheiro.
Aria se assustou. "Oh! Sra. Randolph! Eu... eu não a vi." Ela parecia nervosa, culpada. "Nós só estávamos... Bennett queria me mostrar umas obras de arte."
Você não precisa me explicar nada, Aria, disse Kelsey, a voz neutra. "Não é da minha conta."
Nesse exato momento, uma pesada placa de bronze na parede acima delas, afrouxada pelas vibrações de uma obra recente, subitamente se desprendeu. Pendeu para a frente e despencou.
Em um puro instante de instinto, Aria reagiu. Não gritou nem correu. Empurrou Kelsey com força, tirando-a do caminho.
A placa caiu, atingindo o ombro de Aria com um baque surdo e medonho. Ela gritou de dor e desabou no chão.
Bennett veio correndo, o rosto uma máscara de fúria. Viu Aria no chão e Kelsey parada ao lado dela, e sua expressão se contorceu de raiva.
O que você fez?, ele rugiu para Kelsey, a voz ecoando pela galeria silenciosa. "Agora está nos seguindo? Tentando machucá-la?"
A acusação era tão monstruosa, tão completamente descolada da realidade, que Kelsey só conseguiu encará-lo em um silêncio atônito. Ele achava que ela tinha feito aquilo. Achava que ela era capaz de tal violência.
Ele não esperou por uma resposta. Ajoelhou-se, acolhendo uma Aria em prantos em seus braços, a voz baixando para um murmúrio terno. "Está tudo bem, querida. Eu te peguei. Estou aqui."
Ele a ergueu como se ela não pesasse nada e passou por Kelsey, os olhos queimando de ódio. "Fique longe de nós", sibilou.
Kelsey os seguiu, um autômato entorpecido, de volta ao mesmo hospital, à mesma emergência que agora se transformava no palco sombrio para o ato final de sua vida.
Desta vez, o ferimento de Aria era mais sério. Um ombro deslocado e uma possível fratura. Os médicos a levaram às pressas para um quarto particular. Bennett andava de um lado para o outro como um tigre enjaulado.
A situação tornou-se crítica quando os médicos perceberam que Aria havia perdido uma quantidade significativa de sangue por um corte profundo causado pela borda da placa. Precisavam operar, mas seu tipo sanguíneo era raro: O-negativo. O estoque do hospital estava perigosamente baixo.
Eu sou O-negativo, anunciou Bennett sem hesitar, já arregaçando a manga. "Tirem o meu. Peguem o quanto precisarem."
Senhor, só podemos tirar uma bolsa com segurança, alertou uma enfermeira. "O senhor vai ficar fraco."
Não me importo, retrucou Bennett. "A vida dela é mais importante. Se precisar de mais, vocês tiram mais. Entenderam?"
Ele se deitou em uma maca, o maxilar tenso, enquanto a enfermeira coletava seu sangue. Kelsey observava do corredor, uma testemunha silenciosa e invisível. Ele estava literalmente doando o sangue de sua vida por aquela garota, uma garota que conhecia há poucos meses. Uma garota que era uma mentira.
Ele doou uma bolsa, depois exigiu que tirassem outra, ignorando os protestos dos médicos. Ficou pálido, a respiração superficial. Após a segunda bolsa ser coletada, ele tentou se levantar e desabou, desmaiando pela perda de sangue.
As enfermeiras correram para ajudá-lo, colocando-o no soro em um quarto do outro lado do corredor de Aria.
A cirurgia de Aria foi um sucesso. Ela estava fora de perigo.
Kelsey se certificou de que Bennett estava estável, que as enfermeiras cuidavam dele. Não entrou no quarto. Apenas ficou na porta, observando-o.
Mesmo inconsciente, um nome escapou de seus lábios em um sussurro fraco e desesperado.
Aria...
Não Kelsey. Nunca Kelsey.
Naquele instante, qualquer resquício de amor, qualquer vestígio da história que compartilharam, morreu. Restou apenas um vazio vasto e gelado.
Seu telefone vibrou no bolso. Era um número que não reconhecia.
Srta. Jensen?, disse uma voz firme e profissional. "Aqui é da Blackwood Privacy Solutions. Seu novo passaporte e seus documentos estão prontos para retirada. Seu voo para Paris está confirmado para amanhã de manhã."
A voz era uma tábua de salvação, uma promessa de futuro. Um futuro sem ele.