Eu cumpria minhas tarefas, meu rosto uma máscara cuidadosamente em branco. Meu trabalho principal, além de estar de plantão para as convulsões de Dorian, era supervisionar pessoalmente suas refeições e seus quartos. Dona Eleonora, sua avó e a matriarca da família, insistia nisso. Ela não confiava em mais ninguém para estar tão perto de seu precioso herdeiro.
Lembrei-me da voz de Isabela da noite anterior, o riso suave e as palavras murmuradas que ouvi através da porta enquanto limpava a bagunça. Lembrei-me do som da porta do quarto deles se fechando, um clique definitivo que me excluiu completamente.
Quando entrei na sala de jantar com a bandeja do café da manhã de Dorian, ela já estava lá. Estava sentada na minha cadeira.
Não era oficialmente minha cadeira, claro. Mas por anos, era a que eu sempre sentava quando tinha que supervisionar Dorian comendo, garantindo que ele tomasse seus remédios. Era a cadeira mais próxima dele.
Isabela estava vestindo uma das camisas de seda de Dorian, as mangas arregaçadas até os cotovelos. Caía solta em seu corpo, uma clara declaração de intimidade. Ela olhou para mim quando me aproximei, um sorriso preguiçoso e triunfante brincando em seus lábios. Uma marca escura, um chupão, era visível logo acima da gola da camisa.
Uma nova onda de dor, aguda e nauseante, me invadiu.
Coloquei a bandeja na mesa, minhas mãos firmes apesar do tremor que sentia por dentro. Eu havia preparado seu prato favorito, uma omelete simples com cebolinha, do jeito que ele gostava desde menino.
"Bom dia, Dorian", eu disse, minha voz baixa e profissional.
Ele não olhou para mim. Sua atenção estava inteiramente em Isabela.
"Kira, por que não se junta a nós?", Isabela ronronou, gesticulando para a cadeira vazia do outro lado da mesa. Era uma provocação clara. Ela era a anfitriã agora. Eu era a convidada. Ou pior, a serviçal.
Minhas emoções se agitaram, uma mistura volátil de luto e raiva. Minha mão tremeu enquanto eu servia o café de Dorian, e algumas gotas respingaram na toalha de mesa branca e imaculada.
Eu congelei, meus olhos disparando para Dorian. Eu esperava uma repreensão áspera, um olhar frio. Era o tipo de erro que ele nunca tolerava.
Mas ele nem percebeu. Estava ocupado demais rindo de algo que Isabela havia sussurrado em seu ouvido.
Ele finalmente voltou seu olhar para mim, mas era distante e frio. "Apenas deixe isso, Kira. Você está fazendo bagunça."
Meu nome em seus lábios soou como um insulto.
Pressionei os lábios, lutando contra a ardência das lágrimas. Peguei um guardanapo e comecei a limpar a mancha de café, meus nós dos dedos roçando na porcelana quente da xícara. O calor queimou minha pele, e eu recuei, puxando a mão.
Uma fina linha vermelha apareceu no meu dedo. Uma ferida minúscula e insignificante no grande esquema das coisas, mas parecia monumental.
Meu sangue, na mesa dele.
Meus olhos caíram no convite de noivado dourado que estava ao lado de seu prato. Dorian Almeida Prado & Isabela Fontes. Meu sangue estava manchando o canto dele. Que apropriado.
Os olhos de Dorian piscaram para minha mão. Por uma fração de segundo, vi um lampejo de preocupação, a velha reação instintiva de um paciente para com sua cura.
"Você se machucou?"
A esperança, aquela erva daninha estúpida e teimosa, brotou em meu peito.
Mas então seu olhar encontrou o de Isabela, e a preocupação desapareceu, substituída por uma indiferença fria.
"Vá colocar um curativo nisso", disse ele, com a voz vazia. "Não quero você sangrando por todo o lugar."
Ele disse isso como se eu fosse um cano vazando, um inconveniente. Como se meu sangue não fosse a própria coisa que mantinha seu coração batendo.
Suja. A palavra ecoou em minha mente. Ele me chamou assim uma vez, anos atrás, depois que ralei o joelho e tentei cuidar de um de seus cortes. Ele me empurrou, enojado. "Não me toque, você está suja."
Eu pensei que ele tivesse superado aquela crueldade infantil. Eu estava errada.
"Oh, coitadinha", disse Isabela, sua voz escorrendo falsa simpatia. Ela tirou um lenço de seda do bolso da camisa – a camisa dele – e estendeu para mim. "Aqui. Você deveria ser mais cuidadosa. Gente da sua laia não está acostumada a manusear porcelana tão fina."
O insulto era claro. Eu era desajeitada, comum, indigna.
Lembrei-me de uma vez em que Dorian enfaixou minha mão. Eu a cortei em um roseiral no jardim, e ele foi tão gentil, seu toque surpreendentemente macio. "Minha corajosa Kira", ele havia dito. "Sempre se metendo em encrenca por mim."
Aquela memória parecia uma mentira agora. Uma história de outra vida.
Ignorei o lenço de Isabela. Eu não queria nada dela.
Dorian estendeu a mão e pegou o quadrado de seda dela, seus dedos roçando nos dela em uma carícia casual que fez meu estômago se contrair.
Ele não me deu.
Ele o usou para limpar a mancha de sangue do convite, seus movimentos precisos e indiferentes. Então, ele jogou o lenço manchado de sangue na lareira, onde foi instantaneamente consumido pelas chamas.
Ele estava me apagando. Minha dor, meu sangue, minha própria existência.
"Vá", disse ele, sem sequer olhar para mim. "Você está dispensada."
Ele e Isabela se viraram um para o outro, retomando a conversa como se eu nunca tivesse estado ali. Como se eu fosse apenas um fantasma que perturbou brevemente sua manhã perfeita.
Fiquei ali por um momento, minha mão queimada cerrada em punho. A dor era uma realidade nítida e fundamental.
Virei-me e saí da sala, de costas retas, cabeça erguida. Não deixei que vissem as lágrimas que agora escorriam pelo meu rosto.
Eu iria embora. Eu tinha que ir embora.
Peguei o convite manchado de sangue do chão, onde havia caído. Levaria isso comigo. Uma lembrança.
Uma lembrança do que eu estava fugindo.
E jurei a mim mesma, no corredor silencioso e vazio, que nunca, jamais, o deixaria me machucar novamente.