A ala médica era estéril e branca, cheirando a antisséptico. Ele me forçou a entrar em uma sala que eu conhecia muito bem. A sala de doação de sangue.
Fui empurrada para a cadeira reclinável, o couro frio um choque contra minha pele. Eles amarraram meus braços. O pânico começou a arranhar minha garganta.
Dorian estava lá, de pé perto da janela, de costas para mim. Isabela estava ao seu lado, parecendo pálida e preocupada.
O médico da família, um homem cujo salário era pago pelos Almeida Prado e cuja lealdade era comprada e vendida, aproximou-se de mim com uma agulha.
"O que está acontecendo?", exigi, lutando contra as amarras. Meus joelhos enfaixados latejavam.
"A Srta. Fontes não está bem", disse o médico, sua voz desprovida de simpatia. "Ela precisa de uma transfusão. Seu plasma é o único compatível universal que não exigirá testes extensivos."
"Mas... eu acabei de doar sangue na semana passada", protestei. "É muito cedo. É perigoso."
O médico olhou para Dorian, uma pergunta silenciosa em seus olhos. Ele conhecia os protocolos. Eu só deveria doar pequenas quantidades regulares para criar o soro. Uma transfusão completa, especialmente tão cedo, era arriscada.
Dorian finalmente se virou. Seu rosto era uma máscara fria e dura. Ele olhou para mim como se eu fosse um equipamento, uma bolsa de soro em vez de uma pessoa.
"Ela vai ficar bem", disse Dorian, com a voz vazia. "Ela é forte."
Ela é forte. As palavras ecoaram os sussurros cruéis das empregadas que eu ouvi por anos. "Aquela garota Kira, ela tem uma força vital incrível. A doença do patrão mataria qualquer outra pessoa, mas ela sempre se recupera."
Eu era um recurso a ser explorado. Um poço que nunca secaria.
Meus olhos caíram na bolsa de sangue pendurada no suporte de soro. Uma etiqueta branca estava colada nela. Em letras pretas e nítidas, lia-se: Para Isabela Fontes.
Eles iam me drenar para ela. Minha força vital, a própria essência do meu corpo que eu dava para manter Dorian vivo, estava sendo desviada para sua noiva. Por uma doença fabricada. Eu sabia que ela não estava doente. Eu podia ver no brilho triunfante em seus olhos.
A agulha deslizou em meu braço. Uma picada aguda e fria.
Eu não gritei. Fiquei ali, em silêncio, enquanto sentia minha vida sendo sifonada. Olhei para Dorian, meus olhos implorando para que ele visse o que estava fazendo.
"Dorian", sussurrei seu nome, um último e desesperado apelo.
Ele caminhou até mim. Por um momento, pensei que ele poderia parar tudo. Ele estendeu a mão e tocou minha bochecha, seus dedos surpreendentemente frios contra minha pele.
"Apenas aguente, Kira", disse ele, sua voz baixa. "Isabela precisa disso. Ela é mais importante."
Mais importante.
Uma risada histérica borbulhou em minha garganta. Eu não conseguia parar. Era um som cru e quebrado que ecoou na sala estéril.
"Mais importante do que o quê, Dorian?", perguntei, minha voz tremendo com uma força terrível e recém-descoberta. "Do que a 'filha da empregada'?"
Sua mandíbula se contraiu. "Não seja dramática."
Comecei a me sentir tonta. O quarto começou a girar. O médico murmurou algo sobre minha pressão arterial caindo.
"Mantenha-a consciente", ordenou Dorian, sua voz afiada. "Preciso que ela esteja estável para a doação completa."
Ele não se importava com a minha saúde. Ele só precisava que o produto fosse viável.
Vi meu reflexo no cromo polido do suporte de soro. Meu rosto estava pálido, meus lábios ficando azuis. Meus olhos pareciam enormes e assombrados.
Lembrei-me de todas as vezes que doei meu sangue voluntariamente por ele. A dor, a fraqueza, os dias de recuperação. Eu fiz isso por amor. Um amor estúpido, cego e avassalador.
Ele havia prometido que sempre me protegeria. Ele havia prometido.
E agora ele estava aqui, assistindo-me ser drenada por uma mulher que o estava enganando como uma tola.
A bolsa de sangue estava quase cheia. Minha visão estava se afunilando, pontos pretos dançando na frente dos meus olhos.
"Pare", disse o médico nervosamente. "Mais um pouco e ela entrará em choque."
"É o suficiente para Isabela?", perguntou Dorian, sua única preocupação com ela.
"Sim, é mais do que suficiente."
Dorian assentiu, satisfeito. Ele se virou para sair, Isabela já agarrada ao seu braço, sussurrando seus agradecimentos.
Senti uma onda de adrenalina, uma explosão final de desafio.
"Dorian!" Minha voz era um coaxar, mas o deteve na porta.
Ele não se virou. Suas costas eram uma parede larga e inflexível.
"Estamos quites agora", sussurrei para suas costas, as palavras rasgando minha garganta. "Depois disso, não te devo nada. Nem meu sangue. Nem minha vida."
Ele estremeceu, um enrijecimento quase imperceptível de seus ombros.
Então, sem uma palavra, ele saiu pela porta, fechando-a atrás de si.
A última coisa que vi antes que a escuridão me consumisse foi sua silhueta desaparecendo pelo corredor, deixando-me sozinha na sala fria e branca.
Meu coração, que fora dele por tanto tempo, finalmente se partiu. Ele não apenas o quebrou. Ele ficou parado e assistiu enquanto era drenado de toda a vida, e então ele foi embora.
Eu não o amaria mais. Eu não podia.
Não havia mais nada para amar.