Dante estava na sala de estar, um copo de uísque na mão. Ele ergueu os olhos quando entrei, seus olhos se arregalando em choque com o meu estado.
"Elisa? O que aconteceu com você?", ele perguntou, correndo em minha direção.
Ele observou minhas roupas encharcadas, meus pés descalços e sangrando. Imediatamente envolveu meus ombros trêmulos com seu casaco grande e seco. "Meu Deus, você está congelando."
Sua voz estava cheia de uma preocupação que, horas atrás, teria derretido meu coração. Agora, era apenas mais uma camada de sua performance doentia.
Ele se ajoelhou, sua expressão cheia do que parecia dor ao ver os cortes em meus pés. "Sua tola. Por que não me ligou?"
Ele limpou gentilmente as feridas com um lenço antisséptico do kit de primeiros socorros, seu toque tão cuidadoso como se eu fosse uma boneca preciosa. A ardência do lenço era real, mas a gentileza de suas mãos era a mentira mais cruel de todas.
"Você precisa de um banho quente", disse ele, a voz um murmúrio baixo. Ele preparou a banheira, enchendo-a com água fumegante e óleos perfumados, do jeito que eu gostava.
Enquanto ele se virava, uma única lágrima escapou e traçou um caminho pelo meu rosto. Eu a enxuguei, meu maxilar tenso. Eu não choraria por ele. Não mais.
O amor desse homem era um veneno, e eu o bebia há dois anos.
Enquanto caminhava para o banheiro, meus olhos captaram uma pequena caixa elegantemente embrulhada na mesa de centro. Era o presente que eu trouxera para ele de Belo Horizonte. Uma rara caneta-tinteiro vintage que ele mencionara querer meses atrás.
Ele notou meu olhar e a pegou, um ar de surpresa genuína em seu rosto. "O que é isso?"
Ele a abriu, e seus olhos se iluminaram. "Elisa... isso é incrível. Como você encontrou?"
Ele me puxou para um abraço, enterrando o rosto em meu cabelo. "Obrigado."
Fiquei rígida em seus braços, cada músculo tenso. Afastei-me gentilmente. "Não foi nada. Vi em uma loja e pensei em você."
"Vou tomar um banho", eu disse, minha voz neutra. Eu precisava me afastar dele antes de me despedaçar completamente.
Ele me soltou, seus olhos ainda brilhando de prazer com o presente. Ele não notou a frieza em meus olhos ou o tremor em minhas mãos. Estava absorto demais em sua própria satisfação.
No banheiro, tranquei a porta e deslizei contra ela. Não entrei na banheira. Apenas sentei no chão frio, o vapor enchendo o ambiente como uma névoa. O celular dele, que ele deixara na penteadeira, vibrou.
Uma mensagem de texto iluminou a tela. Era de Kíria.
"Você pegou a caneta? Mal posso esperar para vê-la. É o presente perfeito para o nosso anúncio de noivado."
Meu coração, que eu pensei que não poderia se quebrar mais, partiu-se em mil pedaços minúsculos.
A caneta não era para ele. Era para ela. Eu fui apenas a garota de recados, pegando um presente para a celebração deles.
Uma dor aguda e lancinante atravessou meu peito. Esta não era minha casa. Esta era a casa deles. Eu era apenas uma hóspede temporária, uma cuidadora de longa data que havia ficado mais do que o bem-vindo.
Lembrei-me das palavras que ouvi. *Elisa sabe que é a verdadeira herdeira dos Bittencourt.*
Era a única verdade em um mar de mentiras. A única coisa que me restava.
Uma nova determinação endureceu em meu olhar. Eu não seria um fantasma. Eu não desapareceria.
Eu encontraria minha família. Eu reivindicaria meu direito de nascença.
E eu começaria amanhã.